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Duas surpresas em Cortona

Instigada primeiramente pelo romance/filme “Sob o sol da Toscana” elegi para conhecer a cidade italiana de Cortona.

É uma cidade localizada entre as regiões de Umbria e a Toscana, situada no alto de uma montanha, espreitando o vale fértil de azeitonas e parreiras entremeadas por altos ciprestes, típicos da região, formando uma paisagem verde de muitos matizes.
Ainda no Brasil, conversei com meu sobrinho Carlo que disse ter se apaixonado pelas paisagens mostradas no filme, e mais que isso, o seu filho João, um menino de doze anos, que assistira o filme duas vezes despertado pelas imagens maravilhosas da região Toscana. Prometi enviar todas as fotos que fizesse no percurso, o que cumpri religiosamente para alegria de João.

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Não sabia nada sobre aquela cidade, a não ser ter sido cenário do famoso filme.

Em Florença de onde partimos, eu e minhas amigas, de trem o primeiro destino foi Camucia, cidade onde se chega para ir até Cortona, lá em cima dos montes, isto porque não circulam carros nem trens na cidade fechada com as muralhas típicas das cidades medievais.

Desânimo total, pois chovia torrencialmente.

Que fazer, “estamos na chuva para se molhar”.

Chegamos, finalmente, em Cortona, e, entre uma estiada e outra, começamos a nos deslumbrar com suas lindas ruelas, com as casas medievais, com surpreendentes escadas pelo caminho, flores caindo sobre as janelas, promenades, aqui e ali, que descortinavam as mais belas paisagens toscanas.

É como mergulhar num passado longínquo.

E, foi caminhando nesse tempo, que a primeira surpresa aconteceu, me deparei com um Museo Etrusco, indicando que eles estiveram por ali, daí o estilo etrusco das muralhas que havia percebido no início do caminho..

Cortona foi construída por aquele povo que admiro muito, vez que desenvolveram uma civilização admirável, tanto sob o ponto de vista político quando artístico, e, principalmente no reconhecimento do papel da mulher na sociedade.

Vanguardistas, permitiam ativa participação sociais delas inclusive nas atividades econômicas.

Se destacavam nos negócios, os etruscos detinham poder econômico sobre os demais povos na época, com o acúmulo de riqueza, despertavam a cobiça dos vizinhos, obrigando-os a cercar suas cidades com grandes muralhas. Deixaram fortes marcas em várias cidades da Toscana que eram dominadas por eles.

Etruscos

Foi no Museu Etrusco de Roma, há alguns anos atrás que conheci mais de perto, pelas peças ali exposta, um pouco da maravilhosa civilização que foi.

Mas, continuando na minha peregrinação em Cortona, admirando a pequena cidade, nem imaginava me deparar com a segunda surpresa que me extasiou.

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Fra Angélico

Vi na frente da Igrejinha de Jesus, no alto da cidade onde se depara com uma vista grandiosa da Toscana, o pequeno Museu Diocesano, resolvi entrar certa de que abrigava apenas obras de arte marginais.

Eis que me deparei com muita alegria com nada mais do que a “Anunciação” (em italiano, Annunciazione) de Fra Angélico, a obra do beato foi das que mais busquei nos museus que visitava. Existe outra obra “Anunciação” do frei, no Museu do Prado, mas esse tríptico ( é geralmente, um conjunto de três pinturas unidas por uma moldura tríplice dando o aspecto de serem uma obra), tempera sobre madeira, é especial.

O do Prado foi pintado antes (1430/32) o do Diocesano (1433/34), neste, o beato destaca mais a notícia do anjo para Maria, e, no canto esquerdo diminui a importância da expulsão de Adão e Eva do paraíso), e, embaixo relata cenas importantes na vida da Virgem, ambos são belos.

Delicadeza dos traços

Fico deslumbrada, com a delicadeza dos traços nas pinceladas de Fra Angélico, sua pintura é um prenúncio do renascimento, com a preocupação essencial com a técnica, já demonstrando a noção da perspectiva, dando uma certa tridimensionalidade à obra, enquanto até então predominava a linearidade.Na obra se observa uma verdadeira aliança com o divino.

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Outra obra importante de Angélico é “ O juízo Final”, onde existe uma certa modernidade em revelar o estado íntimo dos personagens.

Sinto e penso, que ver a Anunciação, foi um dos grandes presentes que a vida me deu.

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Uma visão da Bienal de Veneza 2015. O artista é um profeta

Por Lucia Helena Fernandes Stall – Esta foi a terceira Bienal de Veneza que visito nos últimos seis anos. Fiz muitas Bienais brasileiras, em São Paulo, ao longo da minha vida. Sempre movida pela curiosidade de saber através dos artistas plásticos um pouco do que nos reserva o futuro do mundo, qual a linguagem a ser decifrada no amanhã da vida. Isto porque, para mim, o artista é um mago, um verdadeiro profeta, com visões mágicas e ao mesmo tempo reais do tempo que nos espera.

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Mas, acima de tudo, o que me instiga é o impulso para desvendar a alma humana. Como Édipo, decifrando a Esfinge, parto para as obras de artistas de todos os países e continentes, curiosa em decifrá-los.

Porém nas últimas Bienais, percebo uma ânsia artística por uma linguagem diferente, original e criativa. A necessidade de esquecer o antigo para encontrar o revolucionário, sem muito êxito em sua maioria. Ocorrência natural no mundo contemporâneo, a fuga da estética tradicional, na busca de uma estética nova.
Mas, pronta para ser surpreendida, começo meu percurso.

IMG_4687O caos predomina quando inicio a caminhada entre obras de arte de cada Pavilhão. O antigo tentando encontrar a linguagem mais contemporânea, dando espaço a coerência, tarefa difícil para o artista que vive num mundo dominado pelo caos. Ao espectador fica a busca pelo estético conceitual. Nada é fácil neste aglomerado de obras artísticas.

Observo, que em alguns, a estética é deixada de lado, com o predomínio do conceitual, esforço que muitas vezes não é alcançado.

bienal2Na Bienal de Veneza 2013, a tentativa foi a busca de uma reflexão humana, a religação com o divino, tendo Jung, dando o “start” com seu livro “O Segredo da Flor de Ouro”, refletido em muitas obras como o vídeo brasileiro sobre uma sessão espírita, o Vaticano com o encontro de almas, em sessão de cinema onde as imagens de pessoas se encontravam com os visitantes tocando-se as mãos. Além de outras obras instigantes, como um curta metragem sobre o tempo, provocando uma reflexão da plateia sobre o uso do tempo na vida cotidiana.

Já na exposição de 2015, na parte do Giardino, onde se localizam os pavilhões dos países (entenda-se, obras selecionadas pelas instituições culturais dos governos) o “start” foi o livro “O Capital” de Marx e sua dialética. O que para mim, não causou o impacto esperado, no entando, as obras seguintes conseguiram traduzir o apelo de um mundo perverso, miserável, caótico em busca da paz. Paz traduzida nas obras artísticas, com uma linguagem também caótica. Isto porque repetiam técnicas antigas de colagem, xilogravura, textos, etc., sem êxito da inovação, nem do belo que extasia.

IMG_4697O Japão conseguiu aliar o belo e a mensagem, apresentando uma instalação com um barco, simulando uma rede imensa em tons maravilhosamente vermelhos, como uma árvore imensa, de onde caiam chaves como frutos. Ali consegui ver o belo em total harmonia com a mensagem. As chaves da comunicação global, aquelas que abrem a linguagem universal através das redes, aquela que permite pessoas dos rincões mais longínquos do planeta trocarem impressões e afetos. Original e simples, como deve ser uma bela obra de arte. Diante dela as pessoas se extasiavam com uma sensação de paz inigualável, atingindo subrepticiamente um dos temas da Bienal 2015.

Já no Arsenal (outra parte da Bienal, onde existe uma curadoria para selecionar os expositores), as obras surgem um pouco mais maduras e com uma linguagem mais definida, mas ainda repetitivas, sem grandes novidades ou impacto. Houve muito uso da fotografia e da palavra em colagens sobrepostas, assim como de instalações que abarcavam grandes espaços.

Uma ou outra obra desperta maior atenção, mas nada impactante.

11949321_533909386766452_6288629971303180015_nImpactante foi a obra exposta na Igreja de San Giorgio Maggiore, como evento paralelo da Bienal, do espanhol Plensa. Magnífica e realmente criativa, com aquela estética conceitual que leva o espectador à reflexão. Uma cabeça gigantesca de tela cromada, sutilmente com os contornos da face humana, como um enigma na nave principal da igreja, ao lado, suspensa no teto, uma mão também gigantesca, metal quase dourado, com muitas letras penduradas, sugerindo o diálogo entre o cérebro e as mãos humanas. Diálogo que fazemos durante toda a nossa vida. O poder da razão sobre o movimento que nos impulsiona.

IMG_4755Afora a obra de Plensa, na verdade, ainda não encontrei a nova estética, ou a revolução da arte contemporânea, tudo muito fugaz e descartável, nada do novo anunciado, onde se perceba a eternidade do belo, da crônica de uma época atravessando os tempos. Todas as obras expostas entrarão em entropia, enquanto os renascentistas permanecem intactos em sua beleza, na Galeria Uffizi, em Florença, contando com muita beleza para todos nós, seus usos, costumes, religião, política, diferenças de classe em que viviam, verdadeiros cronistas de sua época, sem o desgaste das obras.

As afirmações acima não invalidam o fato de amar a arte contemporânea, inclusive o “grafiti”, como Bansky e outros. Mas dentro de suas peculiaridades, acredito, existem verdadeiros artistas que deixarão obras que persistirão no tempo , como os “antigos” ( da estética tradicional)deixaram.

As colocações desta digressão se referem especificamente à Bienal de Veneza, onde se aglomeram a arte do planeta, o que se está fazendo hoje, qual as profecias anunciadas, qual a linguagem revolucionária de real transformação que irá prevalecer no nosso mundo em decadência.

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A falta de mulheres como Lou Salomé.

Falar sobre Lou Salomé seria muita pretensão minha, ela é uma enciclopédia da revolução do comportamento feminino no mundo de sua época. Um mundo, que para imaginá-lo devemos retroagir pelo menos dois séculos da nossa contemporaneidade.

Era russa, uma bela mulher, assim descrita pelos seus biógrafos, nascida em S.Petesburgo em 12 de fevereiro de 1861.

Fui apresentada a ela no Curso os “Os Sentidos da Paixão”  originalmente um curso livre que o Núcleo de Estudos e Pesquisas da Fundação Nacional de Arte (Funarte) promoveu no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Curitiba e que atraiu cerca de 700 mil pessoas em cada cidade. Prova da fertilidade do curso é este livro apaixonado. Nele, alguns dos mais brilhantes intelectuais brasileiros discutem desde o amor em Platão até a paixão em Pasolini, passando por Freud, Walter Benjamin e Clarice Lispector, o que só comprova a riqueza de um tema que até então não havia sido objeto de um debate como este. A quem interessar o livro, Os Sentidos da Paixão

Coube a professora Luzilá Gonçalves Ferreira apresentar a palestra cujo tema LOU ANDREAS SALOMÉ- PAIXÃO VIVA”, já sinalizava para mim, jovem, nos idos de 1986, a personalidade emblemática que ia conhecer.

À título de informação, os textos coletados estão no livro “Os Sentidos da Paixão”, que reuniu os maiores pensadores brasileiros da atualidade, como Renato Janine Ribeiro com o tema “A Glória”, Renato Mezan “A Inveja”, “A Melancolia de Ulisses de Olgária Matos, “A Paixão Dionísica em Tristão e Isolda” de José Miguel Wisnik entre outros.

Mas, voltando a nossa Lou Salomé, fiquei apaixonada no primeiro contato. Uma mulher, que aos 20 anos, em fins do século XIX, há mais ou menos 130 atrás, conseguia ser livre, frequentar intelectuais machos e com eles se relacionar intensamente, me surpreendeu sobremaneira.

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Foto Internet. Lou/Paul Rée na época marido/Nietzsche, um verdadeiro triangulo amoroso.

Viveu intensos amores, como o poeta Rainer Maria Rilke, Paul Rée, Freud e com eles trocou correspondências emocionantes e inteligentes, como “Carta aberta a Freud”.Influenciou Rilke em sua trajetória, cuja obra “Cartas a um Jovem Poeta” foi a musa inspiradora.Teve forte envolvimento com Nietzsche.

Sua cultura, conhecimento de línguas, falava vários idiomas, e, sua beleza, assombraram a sociedade da época, principalmente os homens. Inclusive, em sua trajetória, formou-se em teologia e filosofia, para depois tornar-se psicanalista.

O que me entristece hoje, é a falta de mulheres como Lou Salomé, Rosa de Luxemburgo, Simone de Beauvoir, Anaïs Nin, revolucionárias sociais, reformadora de padrões, verdadeiras transformadoras do mundo.

Coitadas das nossas jovens mulheres, que, hoje, não encontram genialidade nos modelos de mulheres atuais.

Precisa coragem, sabedoria, conhecimento, cultura, e, principalmente amor a vida em sua plenitude, o que não faltou a Lou.

“Ouse, ouse… ouse tudo! Não tenha necessidade de nada! Não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. Acredite: a vida lhe dará poucos presentes. Se você quer uma vida, aprenda … a roubá-la! Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer. Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso: algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!”-
Lou Salomé

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A solidão de Alan Turing

Por Lucia Helena Fernandes Stall – “O Jogo da Imitação” do diretor norueguês Morten Tyldum, para mim, um jovem e desconhecido cineasta. Dirigiu também “HeadHunter”.

“O Jogo da imitação” narra a vida do britânico, Alan Turing, matemático, lógico, criptoanalista e cientista da computação, que conseguiu com sua genialidade decifrar os códigos criptografados dos alemães nazistas na 2ª. Guerra Mundial.

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Foto Internet do filme O jogo da Imitação

 

Ao decifrar o enigma, os alemães perderam a guerra, e, milhares de vidas foram poupadas.O cerne do filme é em torno do grupo de jovens matemáticos liderados por Alan, no desvendamento do Enigma (utilizado pelos alemães para suas mensagens cifradas).

Até aí tudo bem, uma narrativa histórica empolgante, mas, o que me envolveu no filme não é a linearidade da história da 2ª. guerra, mas, a história do jovem e belo matemático, nos seus 27 anos. Me afundei nas peculiaridades da personalidade do cinebiografado, extremamente inteligente, e totalmente antisocial, com características da Síndrome de Asperge (um tipo mais leve de autismo).

As dificuldades de relacionamento com o grupo, que se comprovam nas rápidas cenas dele relembrando a sua vida escolar. O bloqueio emocional, e, a racionalidade exacerbada, incomodam o expectador, deixam uma inquietação profunda na alma.

O homossexualismo que surge na parte final do filme, numa Inglaterra moralista, que punia com prisão ou castramento químico, opção de Turing no processo criminal que sofreu em 1952, que lhe levou a um suicídio prematuro (42 anos), é torturante, mas não representa nada diante da racionalidade que lhe impedia se emocionar, amar, perceber situações humorísticas, saber ler as faces de seus interlocutores, tem um peso enorme que a questão sexual deixa de ser relevante no contexto.
É um filme inquietante, que me levou algumas horas de reflexão durante a semana. Mas, aos apreciadores de bons filmes, vale assistir.