Na era da pós-verdade, um jeito elegante de definir a mentira descarada, colocamos para reflexão como Eva enfrentaria os relatos sobre ela.
A provocação sobre o que pensaria Eva foi inspirada na frase de Eduardo Galeano que circula pela Web: se Eva pudesse rescrever o Gêneses acusaria Adão de contar mentiras à imprensa.
No entanto, a viagem no tempo é feita exatamente neste Dia Internacional da Mulher para acompanhar como foi construída a imagem do feminino ao longo da história, à parte os ensinamentos religiosos. Hoje, Eva seria militante pelos direitos da mulher e certamente acusaria Adão de espalhar notícias falsas sobre ela – ‘fake news’.
É interessante percorrer a História da Arte e verificar como os artistas interpretavam Eva em suas telas. Observar as expressões na fisionomia e no corpo e situar a obra no momento em que foi criada. A primeira trata-se da Expulsão do Paraíso (Capela Sistina), do pintor renascentista italiano, Michelangelo (1475-1564). Em plena Idade Média, idade das trevas, dos castigos e temor a Deus. Eva de Michelangelo aparece envergonhada….
O também italiano Tiziano, da mesma época, retrata Eva curiosa, buscando a maçã e Adão tentando dete-la com a mão no ombro. Será? Talvez seja pura viagem criativa…
A tela abaixo é de Paul Gauguim, do início do século XX – 1902. Eva nesta representação está enfrentando sua própria solidão, considerando que Adão, por sua vez, virado de costas demonstra que não é nada companheiro dela. Mais interessante ainda é o personagem feminino colocado no alto. Será Deus feminino, para ele?
Esta litogravura de Salvador Dalí, o gênio da surrealismo na arte, é uma interpretação de Eva um pouco mais leve, apesar da nuvem negra que paira sobre ela. O diálogo fálico da serpente com os dois e a borboleta em tamanho maior para o homem, talvez propõem a força da sexualidade masculina em relação a feminina. Muito instigante este símbolo cobrindo as genitálias.
Adão e Eva, de Ismael Nery, o único considerado surrealista no Brasil, revela nossa brasilidade. Também é do início do século XX. A negritude do casal e a descontração de Eva. Sinceramente, Nery em sua criação, representou um Adão, aparvalhado, como podemos dizer anestesiado. Eva com uma certa vergonha ao cobrir-se timidamente., embora firme carregando o seu homem.
Ahhh… Aqui apreciamos o colombiano, Fernando Botero, com seus personagens gordos. Fantástico em suas interpretações, Botero revela que algumas vezes na sua pintura os temas são deformados e parece dar a impressão que faz uma sátira. “Isso não é verdade. As deformações em minha obras, tem fundamento numa inquietude estética por razões estilísticas”.
Cá pra nós, as obras de Botero são consideradas críticas sociais, políticas e de costumes. Observem atentamente esta obra e constatem que tanto Adão como Eva estão com o olhar no mesmo nível, cada qual com sua maçã e a serpente tentando alcança-las e um detalhe: Eva está com a maçã mordida. Ousada mulher!
Botero fez esta obra em 2005, em pleno século XXI, com toda a transformação e o grau de igualdade da mulher em relação ao homem. A maçã foi uma escolha dos dois e a cumplicidade no olhar revela que estão muito juntos nesta história. Legal não acham?
Para encerrar este percurso buscando a imagem de Eva na História da Arte, colocamos intencionalmente a escultura do casal etrusco, em terracota, que hoje encontra-se no Museu de Vila Júlia de Roma. Não refere-se ao tema Adão e Eva, embora tenha o sentido de significar o papel da mulher na arte e na história.. A mulher etrusca ,segundo relatos dos filósofos e historiadores da antiguidade, Teopombo de Chio e Aristóteles, era culta, independente e livre.
O misterioso povo etrusco viveu ao sul do rio Amo e ao norte doTibre, mais ou menos nas áreas equivalentes a Toscana, Lácio, Campana e Umbria, na Itália, em torno do século VI a. C. Isso mesmo, antes de Cristo, na mais remota antiguidade, as mulheres tinham voz nos votos, ao lado dos companheiros nas festas, escolhiam seus parceiros para ter filhos. Uma civilização que foi praticamente apagada da história e as mulheres, por sua vez, interpretadas pelos arqueólogos como libertinas e promíscuas pelas figuras encontradas nas tumbas.
Mas é assunto para o próximo artigo!