Mais do que necessário é conhecer o outro lado da história da escravidão no Brasil. Organizando a biblioteca encontrei uma preciosidade de publicação.
O livro, ‘Brotas: um Quilombo em Itatiba’, conta a saga de duas mulheres negras, ex-escravas, na busca de um espaço na sociedade de brancos. Mãe e filha que foram separadas e vendidas a fazendas diferentes.
Os tons turquesa e marrom que compõem a diagramação do livro dão o leitor o sentido da terra, da cor, e o azul turquesa faz o contraponto e suaviza as páginas que contam o outro lado da história sobre o destino dos ex-escravos, depois de assinada a Lei Áurea. A narração é repleta de depoimentos e lembranças de um tempo que já passou, com derrotas e vitórias.
A publicação, lançada em dezembro de 2010, no Instituto Paulo Freire, em São Paulo, apresenta a memória afro que os livros escolares da História do Brasil não tiveram interesse em registrar
A proposta nasceu da vontade de Rosemeire Barbosa, idealizadora do projeto, que sempre desejou que as crianças e adolescentes do Quilombo pudessem compartilhar suas histórias e as de seus antepassados nas escolas de Itatiba.
O trabalho de profissionais como a educadora Mariana Galvão, na organização do conteúdo, da designer Marcela Weigert, nas ilustrações, projeto gráfico e diagramação, do fotógrafo Alex Macedo, no tratamento de imagens, dos adolescentes e moradores do Quilombo, e do grupo que produziu os textos, fez a diferença neste projeto que foi realizado com os recursos do Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo (Proac).
Um Baú de Dinheiro
O ícone do livro é um grande baú de madeira, no qual o casal – Emília Gomes e Isaac Modesto de Lima – escravos de uma fazenda em Itatiba que foram libertados depois da morte do proprietário, guardaram o dinheiro para a compra do sítio.
Os dois compraram 12 hectares de terra há mais de 120 anos , num local em que é hoje a periferia de Itatiba, interior paulista, e que, segundo pesquisa histórica, foi sede de um Quilombo, razão pela qual, pode-se afirmar que o Brotas resiste há mais de dois séculos ao longo dos quais diversas famílias negras encontraram abrigo.
Atualmente vivem na comunidade 150 pessoas, ou seja 32 famílias. Segundo os moradores do Quilombo Brotas, seus antepassados tinham por tradição receber em seu sítio todas as pessoas com problemas financeiros e sem um lugar para morar. D. Maria –neta de Amélia que era filha de Emília – conta que sua avó costumava ter casinhas de barrote vazias, mas sempre bem cuidadas, que ela emprestava para quem precisasse se instalar por um período.
“As pessoas ficavam morando aqui, um tempo depois que ajeitavam suas vidas e iam embora”, lembra D. Maria.
A saga de Emília Gomes começa quando ela e sua mãe Maria Emília, escravas de uma fazenda no Rio de Janeiro, foram vendidas num mercado de escravos em Santos. No entanto, um fazendeiro levou a mãe e não quis levar a filha, que depois foi vendida para um fazendeiro em Itatiba.
Emília conheceu seu marido Isaac de Lima na fazenda São Benedito, onde trabalhavam como escravos, lá pelos idos de 1850. Tiveram vários filhos, dentre eles, Amélia de Lima, que não era mais escrava ao nascer, pois foi beneficiada pela Lei do Ventre Livre.
Ana Tereza, outra neta de Amélia, lembra como foi difícil para seus antepassados comprarem essas terras. Segundo ela, Amélia contava que trabalhava com o pai na roça de sol a sol. Tinham somente uma muda de roupa e, quando chovia na roça, ficavam molhados não tendo outra roupa seca para vestir.
Seu pai, Isaac, tentava consolá-la dizendo: “Tenha paciência , minha filha. Isso daí é pra nós pagar o lugar pra gente morar. Pra pertencer pra tudo mundo. Pra tudo que tiver meu sangue ter um lugar para morar”.
A luta do casal Amélia e Isaac é uma das tantas histórias de sofrimento dos negros escravizados no Brasil. Porém, apesar da violência que sofriam os africanos imprimiram marcas indestrutíveis na cultura brasileira: na música, na fé, na difusão do sentimento de esperança e solidariedade ao seu irmão.
Brotas: um Quilombo em Itatiba” trata ainda de questões como a definição do que é Quilombo, sobre a contribuição cultural e religiosidade afro-brasileira, alimentação, os quilombolas, preconceito, legislação sobre o assunto, dicas pedagógicas e muito mais detalhes.
O livro é um documento precioso que prova a dívida eterna que o Brasil terá sempre com os descendentes de africanos que vivem neste país.