Ilustração de Lucas Tanuri - Marca Dandô

Dandô sintoniza-se com cantadores e tece uma rede poética de afetos

A alma de Katya Teixeira agiganta-se quando começa a falar do Dandô. Há sete anos a cantora e compositora começou a tecer esta rede de músicos e cantores em todos os recantos do Brasil.

“A alma agigantar-se’ é certamente a metáfora mais apropriada para definir Katya Teixeira quando expressa seu entusiasmo ao falar de um dos projetos hoje de maior integração musical no Brasil. Um projeto que encanta pela riqueza da diversidade sonora de diferentes lugares  quanto pelo patrimônio cultural que oferece. 

O Dandô, circuito de música Dércio Marques, foi idealizado pela cantautora, paulista de nascimento, de mãe mineira e pai alagoano, embora tenha se consolidado com o apoio de muitos, artistas, instituições, produtores culturais, mobilizadores locais que gostam de arte, sobretudo a musical neste imenso país.

 O trabalho foi de ‘formiguinha’, outra metáfora, mas também necessária para reforçar o sentido da genialidade deste circuito que se estabeleceu, na verdade, como uma Rede de Afetos ( como refere-se Katya) na “forma de que a música é uma representação do dia a dia das pessoas, de como fortalece como identidade brasileira, de coletivo”.  

Os primeiros passos do Dandô foram dados muito antes de existir como rede propriamente. Lá pelos idos de 2000, a partir da experiência e andanças de Katya Teixeira pelo Brasil afora.  

Ao final, hoje o Dandô reúne cantadores e músicos de várias gerações, estilos e culturas de diferentes lugares do Brasil e dos países parceiros da rede.

foto via internet - Museu do Cerrado

 “Dandô vem do linguajar popular brasileiro dos “pretos velhos”. Dandar, andar, dar os primeiros passos”.  As pessoas mais velhas tinham no passado o hábito de falar “danda neném, danda até mamãe”.  O circuito batizou o projeto com uma poética popular e também em referência a canção de João Bá e Klécius Albuquerque “Dandô – Circo das Ilusões, que junto com a canção “Roda Gigante”, de Guru Martins formam uma outra canção chamada Canto dos Ipês Amarelos, gravada por Dércio Marques nos anos 80.

A ideia do circuito é muito simples sempre pensando na realidade local e possibilitando espaços mais acolhedores para trazer para perto  pessoas que não têm o hábito de ir a concertos.  Certamente que a vida de Dercio Marques (1947- 2012), cantautor, que mapeou o Brasil e interagiu com as diversas culturas foi a fonte de inspiração para compor a estrutura do Dandô.

A dimensão de Dercio também é gigante. Ele trabalhou com personalidades como Marcus Pereira (1930- 1982) , criador do selo musicol independente e que lançou nomes como Cartola e Clementina de Jesus no mercado fonográfico. 

“Sou cria de Dercio e de sua irmã Doroty, também ligada a música e hoje dedica-se a trabalhar com crianças em condições de vulnerabilidade na Chapada dos Veadeiros”, afirma. Deles, ela tirou esta vontade de conhecer as raízes de nossa cultura, claro, sem contar que na própria família descobriu um tio, grande pesquisador de cultura popular. 

Bastou ter um perfil que gosta de promover mobilizações, além de entender que a arte é uma forte ferramente de transformação social, para abrir caminhos e “dar voz a quem dá voz, no caso a classe artística que não tem o devido reconhecimento de como esta função é importante. 

 

 

O ‘dandar’ de Dandô foi quando a cantora percorreu em um ano parte do Brasil, sete cidades e cinco estados, para depois criar definitivamente em 2013, o circuito como  é conhecido até hoje. Com a ressalva, que tentou buscar apoio nas leis de incentivo à cultura e devido a dimensão do projeto  tornou-se inviável pelo alto custo.

Então, foi criada a rede afetos e em pouco tempo já eram realizados 230 shows por ano. Tudo feito de maneira colaborativa, respeitando a realidade local. O artista paga a passagem para chegar na primeira cidade e depois se apresenta em mais três ou quatro vizinhas. A comunidade ocupa-se em preparar o show. “Tudo é feito em parceria, sempre solidária, quase como uma ‘quermesse’ de igreja que começa do nada, na qual cada um contribui como pode”. 

O circuito é eloquente em seu conceito e tem como alvo o despertar as pessoas para o coletivo como um todo.  “É um despertar do sensorial, da consciência coletiva e que estamos nos distanciando com o passar dos anos”. A ideia é sensibilizar o maior número de pessoas e aumentar a rede. Se cada um que gostar trouxer mais um, a tendência sempre será de expansão desta rede de parceria, confiança e afetos, para um interagir poético.

 

A artista reconhece  que o mais  extraordinário desta ideia de interação musical é a adaptabilidade. Uma característica muito importante. Além de ser uma rede de afetos, sobretudo é de confiança, considerando que as pessoas abrem suas casas para acolher os artistas que estarão se apresentando no local.

“Você não tem ideia de quem é esse outro. Sabe apenas que é um artista.  A pessoa chega na tua casa e você abre a porta  o recebe ou você sai da tua casa e bate lá na fronteira com Uruguai ou outro país, interior do Brasil, cidade grande ou pequena”.  

Para ela isso é utópico, no entanto real, é acima de tudo ter certeza para o cantor que alguém vai recebê-lo e que ele se reconhece nesta pessoa.

O alicerce do circuito é a música, mas também envolve várias linguagens de arte. Fotógrafos, atores, poetas, educadores, trabalhadores do campo, artistas visuais, participam desta rede que  é mais que um projeto de espetáculo, “é um projeto de semeadura para se reconectar como coletivo, como humanidade”.

Dandô ganhou o prêmio Brasil Criativo e Prêmio Profissionais da Música e foi tema de um artigo feito por um brasileiro e apresentado no Canadá sobre o circuito musical, com o título Utopia dos artistas. Lá perguntaram a ele: Utopia não é algo impossível e vocês já estão fazendo? Portanto, é uma utopia pura que se tornou realidade.

 

Todos anos, a estrutura organizacional do Dandô realiza encontros de reflexão com os artistas que fazem parte da rede, para avaliar o que deu certo, o que não deu.  Já foram realizados seis encontros  e não se limitaram apenas ao Brasil, mas em vários países da América do Sul, Portugal, França.

No Brasil, são cinco coordenadores e estas pessoas não têm um posto hierárquico, mas são vozes que promovem a organização para um agir rápido com as atividades e situações.

“É viral no melhor sentido”, reconhece a cantora reforçando sua adaptabilidade, agora na pandemia com a realização de vários encontros online.

 

Ao começar estes escritos sobre Dandô criei a metáfora  ‘alma agigantar-se’ quando Katya fala sobre o circuito.

Pudera! 

É um projeto que deu certo, mas de dimensão continental.  Katya Teixeira acreditou no seu sonho e fez da utopia pura, realidade. Assim como milhares de poetas e cantadores fizeram ao longo da história da humanidade.

 Uma página apenas é pouco para inserir todo o significado de Dandô, como um encontro de canto e vozes, ou melhor de talentos em todos os segmentos da arte. Seria um livro ou uma tese para contar sobre a riqueza cultural de sua história.

Dandô é um exemplo a ser seguido pela sua concepção poética. O solidário sentido de dar as mãos e mostrar  o que de mais puro, belo e artístico existe dentro do homem.  Um bálsamo nestes tempos sombrios.

Cantemos e acreditemos que ainda existe esperan

 

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