Era uma casa plena de grades e segurança. Pudera! Ele vendia joias e trabalhava com ouro e eu queria comprar um presente diferente, mais elaborado, dos encontrados em joalherias comuns. Um brinco de pérola, quem sabe….
Apertei a campainha e quando a porta, com trava automática soltou-se e entrei naquele pequeno espaço, percebi as peças expostas em balcões, com tampas em vidro e a caixa forrada em veludo.
Eram vários os tamanhos e modelos de anéis, pulseiras, colares, brincos….
No entanto, alguma coisa…. algo que não sabia o por quê, tirava o brilho daquelas peças ali expostas. Pareciam foscas, sujas e perdidas no tempo. Fora de moda. Não reluziam e enchiam os olhos do espectador que namora uma joia quando encosta o nariz no vidro de uma vitrine em qualquer joalheria comercial na cidade.
Enfim, perdida em meus pensamentos fui interrompida pelo provável proprietário, um senhor de estatura baixa, um pouco acima do peso, olhos esquisitos me perguntando o que eu precisava hoje e, ao mesmo tempo, se desculpando que seu empregado estava de férias e ele, assim, sozinho era um pouco desajeitado.
Imediatamente notei que tinha dificuldades em mexer nas pequenas peças preciosas, pois suas mãos estavam deformadas pela artrose. Duras, com as articulações que não obedeciam aos seus movimentos. Apesar da falta de jeito, seus olhos eram agudos e expertos. Incômodos…
Pensei comigo mesma: foram anos de trabalho duro, como ourives, que o deixaram desta forma, embora tenha feito de conta que não tinha percebido sua dificuldade. Talvez seja um homem rabugento, que não confia em ninguém, preocupado com sua segurança principalmente porque seu ramo de negócios era de risco.
Meus olhos passearam por muitas peças tentando achar aquela que foi feita sob medida para o presente que desejava. Tento me concentrar na pessoa e encontrar aquilo que poderá agradar. Não achei nada. Estava difícil, até encontrei um brinco de pérola quase igual ao do famoso quadro “A moça com o brinco de pérola”, de Johannes Wermeer, que inspirou um filme. A pérola era fixada num trabalho em prata e marcassita, que estava meio escuro, encardido, como é comum na prata que fica muito tempo guardada.
Delicadamente, solicitei que o senhor fizesse uma limpeza na joia para ver o resultado. A resposta dele foi de que marcassita deve ser usada desta forma, que não era necessário limpar, resumindo não quis limpar o brinco.
Aquele senhor usou de todos os argumentos para que levasse o brinco, inclusive dizendo que dava um desconto especial porque eu era cliente. Aliás, este tipo de bajulação não me convence muito.
Enfim, disse a ele que iria fazer mais pesquisas e, para minha surpresa,tentando ser compreensivo, gentil e paciente, me respondeu, “isso mesmo, faça tudo tranquilamente e depois se quiser voltar deixo o brinco separado, aí meu funcionário fará a limpeza, o polimento, a joia fica pronta, como você deseja”.
Interessante…
Um pequeno detalhe, no entanto, nos revela por inteiro, nos deixa transparente diante do outro. O fato do joalheiro não admitir sua dificuldade em fazer a limpeza num material minúsculo, pela dureza de suas articulações e usar de outros subterfúgios para justificar que o serviço não poderia ser feito, foi o suficiente para revelar uma faceta de sua personalidade que não me agradou e mudou a imagem do comerciante no meu conceito pessoal.
Por esse mínimo detalhe deixei de comprar o brinco. Talvez, um ato falho do pobre homem que passou sua vida dedicada à profissão. Mas fazer o quê? No comércio principalmente, a empatia é fundamental para as boas venda.
Um pequeno ato falho que o deixou vulnerável ao outro!