Arte e médicos de Cuba no caso Césio-137

O artista Siron Franco, com a obra Rua 57, sobre o acidente com Césio-137 em Goiânia, reafirma o potencial da arte em registrar tragédias humanas e sociais. A mostra foi apresentada em ‘Afinidades Afetivas’, na Bienal de São Paulo de 2018 . O paralelo entre Cuba e a obra de Siron é para refrescar a memória, para dar um ‘soco na boca do estômago’ de quem questiona a competência do sistema de saúde cubano. 

O testemunho de Siron Franco na Rua 57  nos remete a Cuba porque foi o país que tratou das pessoas atingidas pela radiação e por ser a ilha cubana, na época, o único país no mundo a ter experiência em tratamentos adequados em caso de radiação. Quando ocorreu o vazamento de Chernobyl, na Russia, Cuba montou uma clínica próximo a Havana para atender mais de 3000 vítimas do acidente russo.

Um registro na Folha de São Paulo, de outubro de de 1997, relata a ida dessas pessoas à Ilha. Texto minúsculo, sem grandes manchetes.

Tragédia em Goiânia

Esse foi apenas um parêntese feito a partir da arte de Siron Franco, que é um testemunho de uma história trágica provocada pelo descaso e pela ignorância. O acidente aconteceu em 1987, em Goiânia, quando um catador de sucata encontrou uma máquina de raio X abandonada em um terreno baldio na rua 57, do Bairro Popular.

Sem saber dos riscos que corria, abriu parte da máquina e encontrou uma cápsula de césio 137, substância altamente radioativa usada para fins terapêuticos e que deveria ser descartada profissionalmente e não jogada no lixo comum. O catador ficou fascinado com a substância, que brilhava no escuro, e a levou para casa, onde a mulher e filha brincaram com ela.

Em 24 horas, diversas pessoas adoeceram gravemente. Assim que a causa foi identificada, foi declarado estado de emergência nuclear em Goiânia, o mais grave acidente depois de Chernobyl, na época. A cidade inteira ficou de quarentena e toda a população e os produtos do estado de Goiás, sob suspeita.

Rua 57 de Siron

Siron Franco, que cresceu a poucos quarteirões do local do acidente, voltou a Goiânia naquela época e começou a produzir uma série de desenhos para registrar as imagens chocantes do desastre. “Eu chamei o que fiz na época de ‘reportagem visual’. Tem pessoas que morreram, cachorros que adoeceram, o sujeito que aproveitou a confusão para roubar uma TV, Fiz muita coisa. Produzi tudo em dois meses. Foi uma catarse”, disse ele ao Nexo.

 

O artista, hoje com 71, abordou temas ambientais, sociais por intermédio de sua poética artística. Mas foi com o tema relacionado à tragédia do Césio-137 que enfrentou o maior desafio, o de pincelar algo que era invisível. “Quando lida com água, com o fogo, você vê o problema. Quando lida com o material radioativo não”. Fonte: Nexo.

Cuba

 

O Centro de Proteção Radiológica de Cuba enviou na época um biofísico para acompanhar especialmente a crianças atingidas pelo Césio 137 no Brasil. Omar Garcia deu entrevista à Folha de São Paulo, em outubro de 1997, e segundo o registro, Cuba recebia os pacientes no aeroporto e em seguida eram encaminhadas aos hospitais, ou em chalés, com capacidade até 10 pessoas, para receberem atendimento.

Testemunho artístico

Siron Franco registrou em sua obra uma tragédia social e ambiental porque tem consciência da participação do público na apreciação de uma obra de arte. A importância de cada vez mais torná-lo sensível as questões de seu tempo.

Rua 57 não só nos conta uma triste história, como também pontua um fato: que prevalece a ignorância em grande parte da sociedade brasileira.

Descaso com o lixo tóxico na época, e desrespeito aos médicos cubanos, que deveríamos agradecer pelo que fizeram ontem e hoje. O esforço do artista Siron Franco é emocionante. Porém, em época de notícias falsas, dos fakenews, da pós-verdade, será que conseguiremos sensibilizar a quem precisa?

 

 

 

 

 

 

 

 

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