Quem participa uma vez na vida da Festa do Nosso Senhor do Bonfim jamais esquecerá a experiência. Mesmo que digam que a festa não é mais a mesma, pelo foco turístico e político do evento. A celebração tem ainda, em sua essência, nas raízes, a razão pela qual foi criada. A devoção!
A devoção é que atrai um grande número de pessoas e elas se propõem a caminhar oito quilômetros, sob um sol escaldante na cabeça, da Igreja da Conceição da Praia, no Comércio, à Colina Sagrada, no Bonfim.
Dia 11 de janeiro
Este ano a procissão religiosa, que precede o rito de lavagem do adro e da escadaria da basílica, será no dia 11 de janeiro, quinta-feira.
Não só de carnaval vive Salvador
Mais importante do que conhecer o carnaval em Salvador, na Bahia, é participar de suas festas religiosas populares que representam a raiz do povo brasileiro, com manifestações apoiadas na espiritualidade e no sincretismo.
Festas que dão uma conotação diferenciada a esta cidade que traz na arquitetura, na memória ancestral, traços e fatos da história do Brasil.
É surpreendente ao turista se deparar casualmente com baianas vestidas de renda branca requintada e engomada, vaidosas e sorridentes, cheias de adornos e colares, com seus potes de água na cabeça, flores e cheiro de Alfazema, dançando ao som do atabaque, para celebrar sua devoção, enquanto descem as ladeiras do Pelourinho.
É uma imagem plena de significados que mesmo difícil de transmitir no instantâneo de uma foto ou nos segundos de um vídeo, não se pode deixar de captar para relembrar o fascínio do momento.
Salvador pulsa tradição religiosa
Salvador é uma cidade que pulsa e neste compasso, o do coração, e seu povo segue vivendo cultura e tradição, “ainda” com muita música, expressão e sincretismo na construção de suas crenças. Colocar este ainda, entre aspas, pode surpreender o leitor por soar como momento presente – até agora – que poderá não existir no futuro.
Festas como a Lavagem do Bonfim,na segunda quinta-feira de janeiro, depois do dia de Reis, a homenagem a Iemanjá, no dia 2 de fevereiro, mais a missa da Benção, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho, ainda resistem no calendário, ano após ano, e só podem ser vistas e sentidas numa cidade como Salvador.
Olhar Crítico
Dizem os soteropolitanos* que era mais organizada e mais fervorosa a Lavagem do Bonfim e que muitas outras festas se perderam no tempo e já estão no passado, como a de Santa Luzia, em 4 de dezembro, a da Conceição da Praia, a de Monte Serrat, “aonde o povo costumava estar presente para a virada do ano”.
O turista que participa da festa da Lavagem do Bonfim, com uma visão mais crítica, perspicaz, percebe que o evento popular se transformou “num mero acontecimento de exibição de políticos”, para destaque na mídia. Na verdade, a multidão de fiéis pouco participa do momento culminante que é a cerimônia da lavagem. Aliás, que lavagem, senão uma simulação para publicidade.
O ritual que assisti em 2014 foi evidente a simulação feita por um grupo de baianas jogando um pouco de água no chão para TV filmar.
Mas o fervor penetrante é alheio ao circo
Vale contar o único incidente que presenciei, entre o povo fervoroso que se mantém agarrado às grades rezando e indiferente ao circo armado, é o de uma jovem que se recusou a sair da entrada principal quando um funcionário da prefeitura tentou afastá-la. Ele alegava que precisava abrir caminho para o prefeito de Salvador, na época, Antonio Magalhães Neto.
Só desistiu de retirar a menina do local porque alguém lembrou a ele que aquela festa era “do povo e o prefeito iria participar apenas como convidado”.
Decepção e também nostalgia de um tempo em que talvez fosse possível entrar na Igreja do Bonfim e rezar para celebrar a caminhada de oito quilômetros da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia até alto da colina do Bonfim e reforçar os votos de amor e caridade pela humanidade.
Hoje as portas permanecem fechadas por causa do vandalismo e roubo de imagens sacras. Meu olhar reconhece que a única condição que permanece ainda intacta é a fé da população que, num sol escaldante, agarrada às grades, e no empurra, empurra da multidão busca nas orações, o conforto para aliviar suas dores.
Que a lavagem desse ano sirva para melhorar o Brasil nesse ano de eleição presidencial. Nem mais reciclar o Congresso porque o que existe lá já está tão podre que não se aproveita nada. Que a fé do povo brasileiro trabalhador (quase escravo de novo) tenha força suficiente para mudar esse panorama e inspire gente boa e honesta a dirigir e construir um país de verdade!
*(denominação usada para o indivíduo que nasce ou vive no município de Salvador, na Bahia. Tem origem na helenização do nome do município para Soterópolis (cidade de Salvador), a partir da união de “σωτήρ” (transl. sōtēr, -os) e “πόλις” (transl. pólis), ambos do grego antigo).