Estou acompanhando essa semana a polêmica em meu país sobre uma performance de um nu feita por um artista no Museu de Arte Moderna de São Paulo, homem, e uma criança que interagiu com a obra, acompanhada pela mãe.
Geralmente não entro nesse tipo de polêmica e tento evitar comentários que sinceramente considero extremistas e radicais, seja de um lado ou de outro. Mas depois de tantos insultos, vexações e censura acho importante recordar a todos a importância da arte e a importância do diálogo.
Não estou aqui para valorar se a performance em si é arte ou não. Nesse quesito já vimos e vamos ver muitos tabus sendo quebrados. Para quem conhece um pouco de história e de história da arte, sabe que a “fonte” de Marcel Duchamp, que nada mais era que um urinol, que apareceu numa exposição de arte de 1917, em Nova York, foi uma obra que trouxe consigo o eterno diálogo sobre o que é arte e sua função na sociedade.
A obra, transgressora em si mesma, causou polêmica entre várias vertentes da sociedade e trouxe à tona o que estamos presenciando hoje, esse diálogo sobre o que é arte ou o que não é.
Como disse antes, não estou aqui para valorar se tal performance é arte ou não é porque isso para mim não é o ponto crítico da situação. Na história da humanidade, o diálogo sempre trouxe ideias revolucionárias que fizeram com que a sociedade evolucionasse e chegasse onde estamos agora.
Questionar e perguntar sempre foi e sempre será saudável.
E revisar conceitos e gerar debate fizeram com que a escravidão se extinguisse, as mulheres pudessem votar, a exploração infantil fosse perseguida, a educação fosse direito de todos. Gostaria de recordar ao povo brasileiro que dialogar, protestar, alçar a sua voz, fizeram com que muitos direitos que antes não tínhamos, estejam na ordem do dia de muitos políticos, de muitos jornalistas e da sociedade.
Direitos esses que vocês mesmos querem acabar quando vão às ruas a protestar “pela volta da ditadura militar”, pela caça a fulano ou a ciclano porque disse “isso ou aquilo que eu não gostei”.
Aqueles que lutam e protestam contra os direitos dos cidadãos são realmente pessoas que não têm consciência nem memória histórica. Ou vocês realmente querem que o Brasil volte a ser aquilo que era nos anos 70?
Se é arte ou não a performance nua do ator em questão, o diálogo está aberto. E com eles, muitas opiniões virão, para bem ou para mal.
É precisamente na sua opinião radical, seja ela de um lado ou de outro, que se sustenta o princípio de liberdade de expressão. Essa liberdade que você mesmo cerceia quando pede que este seja punido.
No Brasil e em muitos outros lugares infelizmente, opiniões não são apenas opiniões.Quando elas geram um sentimento comum, seja qual seja, pensamos que somos mais fortes que nunca e começamos a nos comportar como se fossemos personagens do livro de George Orwell.
Seus juízos de valor se tornam verdade inquestionáveis, verdadeiros dogmas, e se cria um estado anímico de caça às bruxas. Em outras palavras “a minha verdade é a que vale e a dos outros não interessa”.
E aí entramos na dinâmica dos fascismos e nacionalismos que levaram a Europa à segunda Guerra Mundial. E começamos a caça aos artistas nus, as mulheres solteiras, casadas, divorciadas, virgens, promíscuas; aos homossexuais, a quem aborta, aos pobres, aos negros, aos homens que fumam. Tem coletivo para dizimar qualquer um.
E quem acha que estou exagerando basta olhar para trás e analisar a história: Hitler queimou quadros e quadros de Picasso, Dali e outros modernistas. Pergunto eu: isso hoje é ou não é arte? Por quantos milhões se leiloa um quadro desses artistas hoje em dia? Ou mesmo o urinol de Duchamp? É arte ou não é arte?
As performances, os happenings não são nada menos que a expressão da arte moderna de hoje em dia. Você não tem porque gostar ou aceitar, mas nem por isso tem que censurar. Por exemplo, muita gente protestou ano passado quando o Nobel de literatura foi outorgado a Bob Dylan. Eu mesma fui uma delas. O que não significa que esses protestos fizessem que lhe retirassem o prêmio.
Não gosto de Paulo Coelho e também acho que não deveria pertencer a Academia Brasileiras de Letras. No entanto, é um dos autores brasileiros mais lidos e traduzidos e onde eu vou mundo a fora sempre encontro gente lendo os seus livros.
Também não gosto de Romero Brito, nem do vinho CVNE, nem da seleção argentina de futebol. Nem por isso acho que não devam existir, ou saio pregando o seu ódio. O fato de que eles existam e sigam fazendo o seu trabalho, trazem consigo o contraponto da sua existência e da sua voz, para que em ela, eu siga reafirmando as minhas ideias ou, melhor ainda, revendo os meus conceitos.
Posso garantir que durante esses 12 anos vivendo fora do Brasil que já quebrei muitos tabus, já mudei de opinião várias vezes e, nessa evolução, me sinto segura em apelar para o bom senso da população e afirmar a importância da liberdade de expressão.