O espírito do tempo está explícito nos pavilhões que representam os países na Bienal de Arte de Veneza, na Itália. O Zeitgeist que Hegel, Heder, Klotz, e outros sábios alemães, usaram como termo para definir a cultura, o clima intelectual de uma época é visível demais, para quem visita o Giardino.
Viva a Arte Viva é o tema desse biênio, que se encerra em 26 de novembro. É uma exclamação, uma expressão da paixão pela arte e pela figura do artista.
A 57a. edição reúne 120 artistas convidados, 86 países presentes nos históricos pavilhões, no Giardino (parque), no Arsenale e no centro de Veneza. Dentre esses, estão três brasileiros e também foram incluídos três países novos, Antigua e Barbuda, Kiribati, Nigéria.
Artistas, sempre visionários, dialogam por intermédio de suas pinturas, esculturas, vídeos e instalações e apresentam o espírito da época. A leitura feita por eles nem sempre é bonita, embora extraordinariamente bela no seu conceito mais profundo!
Giardino
Fica a critério de cada visitante escolher o início do percurso ou pelo Giardino ou Arsenale. Comecemos, então, pelo Giardino.
Coreia, Japão, Alemanha, Venezuela, Rússia
Os pavilhões da Coréia, Japão, Venezuela e Suíça estão mais ou menos num mesmo sentido, isto é na mesma direção espacial dentro do Giardino, embora cada qual com a sua identidade cultural. É nesse aspecto que se repara o espírito do tempo e as diferenças dentro de cada contexto étnico.
O pavilhão da Coréia que apresenta o tema Conterbalance, pelos artistas Cody Chol e Lee Wan, esforça-se para responder a seguinte pergunta: como a história individual se relaciona com histórias nacionais.
Como a nossa compreensão desta dinâmica no contexto coreano pode ser relevante para o resto do mundo e esclarecer o futuro. A exposição é estruturada em torno de três quadros geográficos: Coréia, Ásia e o mundo e coloca na balança as tradições antigas e os reflexos da tecnologia.
Alemanha em suas formas transparentes, sem obras, oferece todos os dias uma apresentação adaptada para arte, Fausto, por Anne Imhof, que recebeu o Leão de Ouro (mas nem sempre o horário coincide para assisti-lo).
O próprio Goethe trabalhou por mais de 60 anos, transformando-o no símbolo do homem moderno, pronto para vender sua alma para alcançar resultados pessoais.
É a segunda vez que a Alemanha tem um pavilhão sem trabalho, sem o fetiche do objeto.
O Japão esse ano não usa cores intensas como o vermelho do artista Shihary Shiota, na bienal passada com The Key in the Hand ( A chave na mão). Mas o tema é tão intenso no sentido da poética e estimula à reflexão.
O artista Takiro Iwasaki, que nasceu e cresceu em Hiroshima, dentro de um contexto delicado, coloca a sua cultura flutuando no tempo e a destruição com o homem ao centro.
Hiroshima que se foi e uma cultura que permanece flutuando na memória dos que viveram a devastação.
Venezuela homenageia o arquiteto que construiu o pavilhão no Giardino em Veneza, Carlo Scarpa.
O pavilhão tem 61 anos de construção e foi restaurado como foi concebido por Scarpa. Se analisa o jogo de luz e sombra da ‘magnífica obra do arquiteto’.
“Em um momento em que se lançam tantos e tão graves acusações e demonizações, nada melhor do que a crítica de arte, implacável e absoluta para esclarecer os horizontes”. Diz um dos cartazes.
No interior são colocadas obras do poeta e artista visual Juan Calzadilha.
A Rússia trouxe para os visitantes um misto de tecnologia avançada e uma crítica velada à sociedade moderna, em especial ao estilo e regime que representou seu país por muitos anos.
‘Em mudança de cena’, fala-se sobre o tempo e que o arcaico emerge no contemporâneo.
“Na história, o novo está sempre preservado a memória do velho. Os gregos recordam os egípcios, os romanos, os gregos, e os homens do Renascimento até agora.
As mais audazes inovações da modernidade pegaram liderança por meio das tradições e das imagens das culturas antigas. As colisões entre o arcaico e contemporâneo é dedicado o meu trabalho”. Grisha Bruskin.
Austrália e Estados Unidos
Austrália em ‘Meu Horizonte’ traz a poética da artista Tracey Moffatt, sob a curadoria Natalie King. Tracey se fixa na ‘linha onde o sol beija o mar’. São imagens de fotografia e vídeo em que a artista descreve o momento em que se alcança os próprios limites e nesse mesmo momento a superação deles.
O vídeo motiva pela montagem que Tracey faz usando a expressão de artistas famosos de pasmos e olhando assustados aos refugiados que estão chegando num barco de resgate.
“Em realidade, requerentes de asilo não é um caso atual: é velho como o tempo. Ao longo da história em todas as culturas, as pessoas estão sempre fugindo além das fronteiras na busca de uma nova vida”. Tracey Moffatt.
Austrália é um país que também recebe muitos forasteiros em busca de uma nova vida.
No pavilhão americano EUA não se entra pela frente. Está fechado.
A porta de entrada é pela lateral, na qual precisa ser espremer e abaixar para evitar bater em uma grande esfera-instalação, como metáfora o contraste entre aqueles que vivem na ponta e o poder cada vez mais centralizado e iminente.
Dentro, o artista Mark Bradford destaca a figura feminina, como a escultura Medusa.
As três pinturas cercam uma escultura central intitulada Medusa, feita com cordas embrulhadas pretas, para formar um tríptico clássico e contemporâneo em torno do tema da representação feminina.
Essa Medusa talvez seu próprio país, que devora pelo olhar. A proposição de um altar envolvido pelo petróleo. Quem sabe…
Brasil, Egito, França
O pavilhão do Brasil me deixa sempre com algo mais que precisa ser dito.
Não sei se porque vivo em território brasileiro e sinto que as obras representam apenas uma parte do que é esse gigante território. Cinthia Marcelle, em Chão de Caça, traz a violência como tema.
Aliás, isso é Brasil, sim. Mas há quase três bienais consecutivas portamos a violência, os nossos problemas sociais ou o passado opressor.
Certamente, temos muitas pedras e espinhos em nosso chão, sobretudo agora num momento político instável. No entanto, possuímos também, talvez, a maior diversidade étnica desse planeta convivendo num espaço único, num território que abraça diferenças culturais.
Essas diferenças carregam, às vezes, preconceito ou não, com alegria ou tristeza, de norte a sul. Falta… algo fica entalado na garganta quando o visito!
Egito apresenta um vídeo de 12 minutos, cujo tema é A Montanha, do artista Moataz Nasr. O destaque é a figura feminina que retorna à sua aldeia depois de ter estudado na cidade. A comunidade agrícola é simples e cheia de medos do demônio que vive na montanha.
A mulher encarna a liberdade e tenta destruir o mito. O que representa, na verdade, são os dois mundos distintos que fazem parte da vida do Oriente. A crença ingênua e poderosa e a liberdade do conhecimento. Mas deixa no ar se essa liberdade consegue destruir o mito do demônio…
A França esse ano está mais lúdica e dentro de um contexto real. Em Studio Venez_.a, Xavier Veilhan, imagina um ambiente total. “Uma instalação imersão, que revive do universo de estúdio de gravação a inspirar-se na obra pioneira de Kurt Schwitters, o Merzbau (1923-1937).
Músicos vindos de horizontes diversos são convidados a ativar a escultura estúdio de gravação que se coloca como suporte à criações deles durante os sete meses da bienal. O pavilhão propõe uma fusão entre as artes visuais e música, fazendo referências não só Bauhaus e as experiências do Black Mountain College, mas também a Station to Station de Doug Aitken”.
Essas rápidas e superficiais apresentações sobre alguns pavilhões dão uma ideia do universo rico em imagens e símbolos dentro da arte contemporânea.
A liberdade é o impulso que move o artista sem fronteiras ou limites.