Por Luiz Ernesto Wanke –
Que gelo!
Era um dia tremendamente frio, com um ventinho gelado, daqueles de congelar o dedão do pé. As gotículas de umidade dançavam em minha frente num balé desorganizado. Mas eu não estava nem aí para o tempo, bem instalado, dentro do carro ainda quentinho, esperando a cara-metade sair do seu trabalho na escola.
A rua estava deserta, mas não por muito tempo. Lá no fundão começou a se formar a imagem de uns vultos ao lado de um carrinho e que logo deu para identificar uma criança zanzando em torno do rude veículo puxado a muque, carregado de restos de lixo. Como não tinha nada para pensar, fiquei refletindo sobre a vida dura daquelas pessoas, trabalhando tanto nestas condições, possivelmente só para poder comer alguma coisa.
Mais perto, pode distinguir melhor aqueles vultos: o adulto puxava a carrinho, sua mulher, passivamente mais atrás e o garotinho espantando o frio, correndo, brincando, atirando pedras em direção a um cachorro sarnento, atravessando a rua e subindo pelos barrancos. Eu, diante de uma escola, fiquei matutando se aquela criança teria o direito de aprender como qualquer aluno ou teria um futuro tão cruel como de seus pais. O que estaria reservado para seu futuro: ser um trabalhador do bem ou virar um marginal?
Mais perto, vi que o garoto estava com uma camisa ruída, tipo social, maior que seu dorso, fazendo com que um dos lados ficasse a descoberto… Naquele frio? Meio peito estava exposto, provavelmente pela falta de botões.
De repente, pensei que podia ajudá-lo.
Pai de quatro filhos homens, em diversos estágios de idade, tinha em casa camisas sobrando e de vários tamanhos. E mais, o guarda-roupa estava entulhado de peças boas com finalidade de atender as gerações mais novas. Mas o detalhe é que os destinados às odiavam e não queriam saber dos sinistros planos dos seus pais.
Como professor, fiquei matutando o que eu mesmo dizia para meus alunos, ou seja, que acredito na oração através da ação.
Não acho de nenhum valor quando alguém entrega como doação os entulhos que estão entupindo a casa. Para que um bem dado tenha valor como oração, deve custar algum sacrifício para o autor. Exemplificava que é fácil se desfazer de uma camisa rota que não se usa mais… O difícil é entregar aquela camisa preferida, domingueira, que ao doá-la, seu coração vai junto.
Enquanto meditava, a família passou.
Caí na realidade. Pensei: puxa, não tenho nenhuma aqui! Não poderia ir até em casa, – muito longe – só para pegar uma camisa… E não sabia onde eles moravam! Definitivamente, não dava…
Quando olhei pelo retrovisor, tinham desaparecidos.
Paciência!