Por Luiz Ernesto Wanke – Uma maneira muito legal de visitar o passado é pesquisar jornais velhos. Descobrem-se muitos documentos importantes, mas também algumas lufadas de suaves brisas de saudades. Claro, esse vento do passado também pode trazer poeiras desagradáveis.
E nada mais terrível que a escravidão. Esses jornais estampam anúncios de crianças escravas, alguém querendo alugar um moleque pelo preço de oito mil reis, outro querendo um ‘escravo fiel’ para compras e um cruel, pedindo “uma negrinha e um moleque que não tenhão mais de 7 anos”. Crianças que não conheceram suas infâncias, sem escola, condenadas inocentemente e que, a partir daí foram separados dos pais sem dó nem piedade. Muito triste.
Outros anunciam escravos fujões. Mas como saber no meio de tantos escravos, de quem se tratava e como reconhecer um indivíduo invisível que não tinha cidadania? Pelos nomes? Ora, eles tinham um nome sim, mais como uma referência de posse. Por isto seus nomes únicos não tinham utilidade obrigando seus donos a capricharem na descrição (ou melhor, no enfoque cruel da maneira que eles viam seus escravos): “Fugiu no dia 24 de março p.p., a preta Martha, tendo os signaes seguintes: fula, papuda, gorda e tem um signal no braço esquerdo…” Ou este do escravo Antonio: “… de nação, 40 anos mais ou menos, alto, feio de rosto, barba por baixo do queixo, barriga grande, a unha do dedo direito da mão esquerda partida pelo meio e inchado…” Mais outro chamado Christovam: “meio fula, faltam-lhes cabelos no meio da cabeça, tem por volta de 25 anos de idade, fala fina e ar humilde…” Para terminar, o Sebastião: “… sem barbas, estatura regular, tem uma cicatriz no rosto, do lado esquerdo, procedida de dente furado, tem falta de cabelos pela continuação de carregar água, idade 18 anos mais ou menos e bem parecido…” Muito patético e desumano.
Nestes jornais podem-se resgatar também alguns valores sociais. Se existe alguma diferença daqueles tempos com os nosso é o conceito ético e bem delineado das relações humanas. Por exemplo, a tal ‘defesa da honra’: pisava-se em ovos quando uma notícia ou comportamento poderia chegar aos ouvidos dos ‘outros’ e ferir seu conceito certinho de bom cidadão. O mote era: ‘O que eles poderiam pensar?’ Esses exemplares de jornais antigos estão repletos de pessoas que, ao se mudarem de cidade, faziam questão de publicar no jornal que estavam ‘limpos’ e não deixavam nem dívidas nem encargos pendentes. Se tinha escafedido para nunca mais voltar, pelo menos ‘ninguém podia dizer um ai dele’.
Outros usavam o jornal para mandar recados pessoais e cifrados, mas, incógnitos. Este de 1/10/1856 é misterioso: “Senhor Raphael do bote-lhe do recreio. Diz VM muito bem: o bote foi bem dado, e o laço armado! Tomem palpavos! Lição gostosa. O desconfiado.” Um assunto que – presume-se – só os dois, ‘o desconfiado’ e o tal Raphael sabiam do que se tratava. Sim, porque passado algum tempo, este último não se fez de rogado e respondeu: “Snr. Desconfiado: se VM é de serra abaixo, bote-lhe a âncora, se é de serra acima, o laço, para a sociedade não ir ágarra. O Raphael” Mas o principal é que os dois estavam dialogando num mundo aparentemente constituído só por eles. Que se danassem os outros leitores!
(Assim como o leitor, o autor ficou curioso com o anúncio-recado e foi procurar alguma pista vasculhando os meandros desses mesmos jornais. Em outros tipos de textos, conseguiu três evidências: que palpavos quer dizer ‘aquele que foi enganado’, o termo ‘recreio’ está associado a um clube social da época, o Recreio Curitibano, cujo presidente era justamente o seu Raphael – em final de mandato – e finalmente, achou uma breve notícia de que o tesoureiro do clube poderia ter dado um desfalque e ter se mandado. Pronto, ‘o desconfiado’, que devia ser sócio do clube, estava ao mesmo tempo, xingando e cobrando do presidente o esclarecimento da ladroagem. Já o Raphael, em resposta, pediu prudência – a âncora e o laço – para conter a desconfiança do ‘Desconfiado’, justamente para o clube não terminar.)
Mas afinal, onde estão as tais ‘lufadas de suaves brisas de saudades’? Em anúncios como a instigante fuga de um ‘veado de estimação’: “Desapareceu da casa n.55 um veado pardo, manso, levando no pescoço uma estreita coleira de couro com guiso…” Ou ainda, a reclamação do redator do jornal assustado com a ‘carestia’: “Na capital do Paraná já se pede por uma carrada de lenha – dous mil reis!!! Viva a fertilidade!… E valha-nos, quem? Deos!” Outra pérola: “Quem tiver direito ao couro de uma vaca vermelha, que por engano se tirou, por ter morrido no banhado, dando signaes e marcas, se lhe entregará pagando as despesas, na Rua das Flores n. 1”. Como assim? Tiraram indevidamente o couro da vaca morta ‘por engano’e ainda querem tirar o couro do dono?
Mas a ‘joia da coroa’ está no anuncio abaixo, colocado aqui sem comentários, pois é auto explicável… Mas suas palavras trazem do passado a tal lufada de saudades: