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Cadê a criança que vive dentro da gente…

Concordo com Neruda  e creio que a criança interior faz o adulto ir em frente, criar, trabalhar bem-humorado e enxergar a vida de uma forma mais leve.

A frase deste poeta admirável me faz refletir sobre as pessoas, especialmente um primo do meu pai que era poeta, escritor e engenheiro civil. Eno Theodoro Wanke* tinha uma inteligência perspicaz e aguçada.

Papai e tio Eno ( como eu o chamava) eram quase como irmãos – o primo viveu durante muitos anos na casa de minha avó enquanto estudava engenharia.  Por esta ligação afetiva com meu pai, Eno e a mulher, Irma, frequentavam a nossa casa.

Assim, cresci ouvindo meu pai fazer comentários sobre o primo, fatos de infância, sobre seus escritos, poemas e criações. “O Eno desde criança gostava de ler. Não sabia subir em árvores porque  passava horas e horas lendo e fazendo histórias em quadrinhos”, recordava papai.

A tendência intelectual da infância, pelo jeito, não prejudicou a criança que vivia dentro de Eno quando se tornou adulto. Sempre trazia um sorriso de menino em seu rosto. “A psicóloga disse que o primo tem uma célula infantil que não se desenvolveu no cérebro”, contou meu pai, certa vez, para justificar excentricidades do meu tio.  Por várias vezes eu vi o próprio Eno rindo desta situação

Pronto. A célula infantil resolvia todo o problema e estava ali justificando o que para alguns seria sem justificativa. Eno era espirituoso e  quando o entrevistei para o lançamento de seu livro a Saga dos Imigrantes – uma pesquisa que fez sobre a imigração alemã no Paraná – ele próprio me contou fatos de sua vida. Quando lhe perguntei como conseguia atuar em dois extremos, engenharia e poesia, e porque foi viver no Rio de Janeiro, trabalhar na Petrobrás e deixar sua pequena cidade, Ponta-Grossa, que sempre cantou em prosa e verso, sua resposta foi rápida: “Ninguém dava casa para engenheiro poeta construir numa comunidade pequena e com alguns preconceitos e eu tinha que sustentar a minha família. Fiz concurso e passei e não tive dúvidas em mudar de cidade,” explicou sorrindo.

Este poeta foi morar em Cubatão há mais de 40 anos, pode imaginar uma cidade fundada em função de uma refinaria, numa época em que as leis ambientais não eram muito rígidas!  Um local que liderou durante anos o primeiro lugar na lista das cidades mais poluídas do mundo e foi receber um pouco mais de atenção para melhorias, depois que ardeu por inteira num incêndio provocado por vazamento.

No entanto, Eno morava em Santos e de ônibus ou de veículo oficial percorria alguns quilômetros para trabalhar em Cubatão. “Neste percurso escrevia e criava meus poemas”, revelou.

Simples conexão que o libertava do massacre diário de um trabalho extenuante.

Talvez, ele não considerasse tão estressante….

Um teste vocacional feito dentro da empresa provou  a ele e aos outros que estavam com dúvidas, que o poeta tinha tudo para ser um bom engenheiro.  Mesmo lúdico e vivendo nas nuvens junto com seus escritos,  Eno foi o primeiro colocado no teste técnico.

Paradoxal!

Contou-me que amava tanto a matemática quanto poesia e literatura. “O dia que entendi o número PI , a medida da circunferência, fiquei fascinado pela matemática”, lembrou ele.

eno teodoro
Meu destino se encerra num grave e eterno conflito: meu corpo é de terra e meu coração, de infinito!

Eno Theodoro Wanke se encaixa bem dentro da reflexão de Pablo Neruda. A meu ver, ele nunca perdeu de vista a criança que tinha dentro dele, mesmo que na infância não jogava bola e não subia em árvores, pois a criança interior mostra que é possível ter retidão de caráter,  sem precisar ser austero, descontraído e não desordeiro,  alegre e não arruaceiro, sensível e não fraco….

 Despertar a criança que vive dentro da gente é um exercício diário que nos ajuda a enxergar a vida cheia de graça!

(releitura do site anterior)

* ENO THEODORO WANKE (1929-2001) nasceu em Ponta Grossa, Paraná, a 23 de junho de 1929.  Em 1957 ingressou, por concurso, no curso de Refinação de Petróleo, da Petrobrás, no Rio, passando a trabalhar em 1958 na Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão, SP, residindo em Santos, onde viveu onze anos. A partir de 1969 passou a residir no Rio de Janeiro, onde fez carreira dentro da Empresa. Começou a escrever desde os doze anos. Poeta, Trovador, Contista, Cronista, Biógrafo, Ensaísta, Historiador, Fabulista e Prefaciador, entre outros. O escritor transitou do CLÁSSICO ao MODERNISMO com elegância e competência, passando pelo lirismo, romant. (Fonte: www.usinadeletras.com.br)

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