Agricultura ecológica e biodinâmica não são traduzidas somente pela ausência de pesticidas na hora de tratar uma videira, acrescenta-se também um cuidado exaustivo da planta em todo o seu ciclo.
As práticas e os cuidados se dão ao longo da sua vida e os resultados observa-se no fim de cada ciclo, com a vindima.
É curioso, mas podemos associar o cuidado da videira parecida aos cuidados que proporcionamos aos nossos filhos.
Educamos nossos filhos com amor e dedicação, proporcionando a eles as ferramentas necessárias para enfrentar a vida. No entanto, sabemos que não podemos exceder nessas ferramentas. Muitas vezes temos que ser forte e deixar que os filhos descubram por si só como conseguir alguma coisa ou como encontrar a saída em um problema difícil que estamos enfrentando.
Sofremos juntos com eles, e muitas vezes pensamos em dar uma “mãozinha” no que estão passando, mas sabemos que se interferimos muito no processo, geralmente eles não aprenderão.
Quantas vezes vemos adolescentes que têm tudo completamente inapetentes para enfrentar as adversidades da vida? Quantas vezes nos deparamos com aqueles pais que pensam que ao dar tudo aos filhos, lhes estão proporcionando uma vida melhor e que sofrerão menos no futuro?
Ledo engano.
Com toda certeza, os pais não tomam essa decisão por mal ou porque é o caminho mais fácil, mas também porque evitam esse sofrimento em conjunto e muitas vezes a frustração de ver o seu filho cair pela primeira vez.
Com a videira passa algo semelhante. Videira mimada rara vez dá bons frutos. O viticultor sabe muito bem que para que a videira dê boas uvas, tem que deixar com que esta passe pela sua fase de “stress”.
Soa pedante, mas é a pura verdade.
Durante os últimos três meses, Languedoc-Roussillon sofreu uma seca tremenda, com falta de chuvas, com algumas garoas. Essa falta de chuva faz com que as plantas necessitem de água, mas nunca em excesso. E nunca periodicamente. As videiras que têm sede, tem um desafio que enfrentar; o de buscar agua debaixo da terra de qualquer forma. A sede, a ausência de água, faz com que as raízes cresçam e busquem cada vez mais fontes de água para sobreviver.
O resultado é uma planta muito mais forte para sobreviver o ano. Geralmente esse processo de stress também faz com que a planta dê menos frutos, mas nem por isso piores. Muito pelo contrário: as uvas que nascem de pés estressados concentram aromas mais intensos.
Resultado: “pais e filhos” orgulhosos – o desafio foi superado um ano mais.
Após a vindima e todo o trabalho na adega, Stephane me pediu que fosse cuidar das videiras em uma das parcelas que ele tinha plantado esse ano. Tarefa: regar planta por planta, já que os meses de seca foram tão intensos que as plantas podiam morrer sem água.
Reiko e eu nos encarregamos da tarefa. Ela regava e eu fazia os buracos com a enxada ao lado da videira para que a água penetrasse mais facilmente.
Foi o trabalho mais duro de todos os dias que estive ali.
Remover terra seca exige força nos braços e nas costas. O solo, composto por pedras e argila seca fazia mais difícil a tarefa.
No fim do dia eu estava completamente quebrada.
Foram 15 horas de trabalho, divididas em três dias e 2200 videiras… mas o desafio foi superado.
Para isso me alongava todas as manhãs antes de começar o trabalho; e quando terminada tinha que me colocar na horizontal por um par de horas para relaxar os músculos trabalhados e para que as costas voltassem a sua posição original.
Menos mal que antes de chegar aqui me dediquei a me preparar fisicamente para o trabalho. Fortalecer os músculos das costas é essencial para não ter lesões.
No último dia, depois de terminar todas a vides, me invadiu uma sensação de satisfação do trabalho terminado e bem feito. Acabo de vencer outro desafio: e agora é a vez das videiras de vencer o seu.
Durante o ano todo, dependendo da quantidade de chuva se rega mais ou menos as vides.
É uma ciência sem regras, tal como educar. Cada filho se comporta de forma diferente e o seu entorno também determina como ele vai se comportar.
Assim como a vida não vem com manual de instruções, cuidar de cada parreira também é uma ciência incerta.
Ninguém sabe o que vai passar amanhã; se vai chover ou fazer sol, se vamos ter algum desastre ambiental, ou se simplesmente as videiras podem ser atacadas com algum tipo de doença desconhecida… ou quem sabe tudo vai de maravilhas.
Além disso, ao não utilizar pesticidas ou agrotóxicos, a videira está muito mais vulnerável ao entorno e o seu fortalecimento se faz necessário para a sua sobrevivência. Um vez forte, seus frutos com certeza terão um outro sabor e o resultado pode ser comparado e contrastado.
Sempre falo para as pessoas que não acreditam nas técnicas de agricultura ecológica para provar um tomate normal e um tomate orgânico.
Quem está acostumado a comer alimentos crus e gostam de frutas e verduras ao natural sentem a diferença no ato.
O mesmo faço com a qualidade do peixe criado em cativeiro com o peixe do mar. E nos vinhos, sempre deixo as pessoas provarem os vinhos sem ver o rótulo. Só assim as pessoas descobrem o seu gosto e não estão influenciadas pelas etiquetas, pelas marcas ou pelo status.
Não basta ser Bio para um vinho ser bom o mal.
O manipulado e a forma como se trata a uva até o momento que é engarrafado também determina a sua qualidade. A diferença é que um vinho com etiqueta Bio garante que este foi passado por processos e critérios que aportam qualidade ao produto final.
OU seja, se o viticultor coloca amor no que faz e sabe a forma correta de educar os seus “filhos”, teremos com certeza um grande resultado para ser compartido.