No meu rosto queimado
Um beijinho tornou-se carvão e
Aparece nas linhas dos meus lábios”
Maiakovski
Nós vivemos muitas estações na face machucada daquela cidade dos mortos. Nossos corações estavam crescendo e ficaram molhados com as chuvas cinzentas e as chuvas da noite. Milhares de passarinhos mortos caíram sob nossos ombros cansados, estávamos sangrando.
Nos recostamos um no outro e passeamos sem medo dos assassinos e dos catadores de mortos. Nós pegamos os passarinhos machucados nas ruas escuras, andamos com nossos rostos vermelhos pelo reflexo dos incêndios, fizemos muitos incêndios mas não foram suficientes.
Só deuses podem queimar,
Nós só conseguimos morrer…
Esse é nossa única superioridade
aos deuses
Quando nós nos salvamos, os mortais da escuridão, e alcançamos o céu azulado, ficamos como um deus e deusa. Ao mesmo tempo nós não desejávamos afugentar as estrelas.
Nós contamos um para o outro que queríamos nos purificar e estávamos sangrando por dentro, porém, durante muito tempo não conseguimos conversar. Nós, aliás, conversávamos mas parecia que falávamos com outras pessoas e não entre nós dois realmente.
Aprendi que quando uma pessoa fica sozinha está fugindo dele mesmo. Quando encontra-se uma pessoa com quem se pode compartilhar e confiar, então as histórias podem ser expressas honestamente e além disso, você pode se refugiar no outro. Além disso, todo mundo tem dentro de si mesmo um outro que sempre está falando as verdades duras.
O incêndio desse encontro acaba rapidamente. A pessoa fica dentro da fumaça e das cinzas, mas não deverá permanecer muito tempo nesse lugar, onde só existe tristeza e nostalgia. Esse é o cemitério do passado. Há necessidade de haver novos incêndios, novas viagens devem ser realizadas com a mochila nas costas, carregando suas tristezas e sofrimentos. A única coisa que pode nos fazer esquecer os sofrimentos e as cinzas, é fazer novos incêndios.
Além dos incêndios e das cinzas
Além da cinza e da morte
Além da morte e o infinito
Além do infinito
Há o amor
Na realidade não tínhamos vivido muitas coisa. Nós compartilhamos, às vezes, um pedaço do tempo que parecia um pão fresco. Às vezes, compartilhamos pedaços iguais da morte. Você sabe que algumas coisas ficam limpas e não podem se sujar se não forem vivenciadas. Mas quando a magia acaba você deverá entender que está sujo.
Porém, eu queria um amor que sempre me perdoasse e me amparasse…
Erol Anar
Do livro de “Amor e Solidão”