Lucio Muruci, que assina sua obra com o pseudônimo de Luciano Magno, é sociólogo, com doutorado em História Social da Cultura e sempre envolvido com o tema da Caricatura Brasileira.
Esta é a primeira parte de uma entrevista que fiz com Lucio. Como sempre costumo fazer, meu o objetivo é mapear parte da trajetória do entrevistado num empreendimento vencedor ou digno de nota; neste caso a coleção de livros A história da caricatura Brasileira, para mostrar os bastidores desse trabalho e registrar este caso de sucesso.
O primeiro volume da coleção sobre caricatura brasileira foi eleito um dos melhores livros editados em 2012, pelo jornal O Globo
A caricatura no Brasil: o livro
Mais do que entretenimento, é um dos retratos de uma sociedade. Assim como o esporte, a política e a educação são retrato de uma época, a arte da caricatura faz um 3 por 4 dos hábitos, costumes e valores de um povo.
E foi nesse espírito que Magno lançou em 2012 o primeiro volume da “História da Caricatura Brasileira” que pode ser visto no blog da sua própria editora, Gala Edições de Arte, de um total de sete edições previstas.
Um dos grandes méritos do livro é ter um texto agradável até para quem não é fã do tema, além de ser um trabalho de pesquisa que interpreta a história, sem meramente citar datas e descrever opiniões pessoais do autor.
Mas a grande história deste livro não está nas suas páginas, e sim na trajetória de Magno até conseguir editar o livro.
Caricatura, charge e cartum: história com humor
Apesar de não ser um estudioso da área de empreendedorismo, Magno tem muitas dicas e lições para dar, e que provavelmente servirão de inspiração para quem atua na área cultural e deseja empreender nesta área, mesmo não sendo administrador, empresário ou formado em produção cultural. Lições que são válidas para projetos culturais mas se aplicam a qualquer projeto que envolva arte e comunicação.
Wallace: Magno, descreva como está o cenário da caricatura/charge/cartum no Brasil atualmente: os principais artistas e como se ganha dinheiro com essa atividade (mercado editorial, de pesquisa, colecionadores e produção artística).
Magno: O cenário artístico brasileiro, hoje, na caricatura, é bastante diversificado. Mudanças sempre ocorrem. Desde o advento do rádio, da televisão, e agora da internet, afetando o jornalismo gráfico e fazendo migrar artistas da área do cartunismo jornalístico impresso para outros veículos. É natural que a caricatura e o cartum ocupem esses novos veículos online.
De fato, podemos dizer que o Século XIX – com Araújo Porto-Alegre, Cândido de Faria, Agostini, Pedro Américo – e o Século XX – com tantos outros, J. Carlos, K.Lixto, Raul Pederneiras, Seth, Luiz Peixoto, teve a sua época de ouro da caricatura.
Araujo Porto Alegre: artista e ilustração
Mas a caricatura vem se reinventando e permanece recorrente e conceituada no país, mesmo o mercado editorial aderindo a novas tecnologias de comunicação. Novos artistas como Alpino fazem sucesso em famosos sites na internet. Uma nova geração desponta. Sites como o chargeonline reúnem a nata da nova geração e alguns da velha guarda da caricatura.
O nível de excelência de nossos caricaturistas, a capacidade que a caricatura têm de retratar o país, a inserção que têm a nível político e cultural, exercendo função crítica, continua recorrente. A tradição do humor, no brasileiro, é muito forte. A História do Brasil pós-1822 se confunde com essa arte.
O nível das pesquisas acadêmicas na área aumentam, mostrando prestígio do tema. O reconhecimento em outros níveis, inclusive financeiro, vem com muito esforço, suor e labuta.
Origens do livro
Wallace: Magno, você como todo bom ariano, é persistente, e não desiste de uma ideia até vê-la concretizada. Como surgiu a ideia de fazer a sua primeira exposição sobre caricaturas no Museu Nacional de Belas Artes, em 1993?
Magno: Eu pesquiso a história da nossa caricatura há 25 anos, desde os 15 anos de idade. Comecei, como destacado no prefácio da obra “História da Caricatura Brasileira”, pesquisando alguns grandes artistas, como Luiz Sá, J.Carlos e Seth, caricaturistas brasileiros de importância continental e internacional.
Luiz Sá
J.Carlos
Seth
A ideia da minha primeira exposição surgiu como um desenvolvimento das minhas pesquisas sobre Luiz Sá, daí realizei a primeira retrospectiva sobre a sua obra, no Museu Nacional de Belas Artes, em 1993, chamada “Luiz Sá: Um Caricaturista Brasileiro”, e depois, realizei a minha segunda exposição sobre o artista, intitulada “Luiz Sá: Cartuns Cinematográficos”, na Funarte, em 1994.
Depois ampliei esse leque com outros artistas, também com a realização do ciclo de exposições que fiz, do “1º Festival de Humor Gráfico”, realizado nos principais museus do Rio de Janeiro, em 2002, e daí aumentei mais ainda minhas pesquisas quando objetivei realizar essa obra monumental que é a “História da Caricatura Brasileira”, cujo primeiro volume foi lançado em 2012, com 528 páginas e 90 capítulos sobre os primórdios e a consolidação da nossa caricatura no século XIX.
Wallace: Essa determinação permitiu que você realizasse o 1º Festival de Humor Gráfico no RJ no ano de 2002. Foram 12 exposições simultâneas, no MNBA (Museu Nacional de Belas Artes/RJ), no CCJF (Centro Cultural Justiça Federal/RJ), entre outros espaços nobres do centro do Rio de Janeiro. O know-how adquirido em cada exposição anterior foi a base para coordenar essas exposições? Como foi o processo?
Magno: De fato, o “1º Festival de Humor Gráfico” foi um conjunto de 11 exposições em homenagem à tradição do humor gráfico e da caricatura brasileira, destacando também a produção internacional e contemporânea, que aconteceu no Rio de Janeiro, de maio a julho de 2002, nos mais significativos museus e centros culturais, como o Centro Cultural Justiça Federal, o Museu Nacional de Belas Artes, a Galeria de Arte Cândido Mendes, o Espaço Cultural Mauá e o Museu Histórico Nacional.
O evento, um amplo painel sobre a caricatura brasileira, prestou homenagens a caricaturistas do porte de J.Carlos, Luiz Sá, Seth, Henfil, Luís Trimano e Nair de Teffé, artistas que contribuíram para mudanças estéticas em nossa caricatura. A participação estrangeira ficou representada na mostra “A Sátira Política de Thomas Nast“, com obras deste caricaturista norte-americano do séc. XIX. Teve ainda, entre seus destaques, as mostras “Retrospectiva Seth“, “Trimano: Caricaturas para a Imprensa” e “A Era J.Carlos: 100 Anos“, esta última comemorativa dos 100 anos da brilhante obra desse caricaturista brasileiro.
E tudo isso, o 1º Festival, realizado em 2002, foi um desenvolvimento do meu trabalho anterior como organizador de exposições na Funarte, no MNBA, realizado em 1993, 1994, e em 1997 com a mostra “O Al-Khimixta de Orígenes”, e no SESC, também em 1997, com “Luiz Sá: 90 Anos”. Ressalto ainda que realizei outras exposições antes, nas faculdades onde estudei, como a UFRJ.
Wallace: Você resolveu fazer a coleção da História da Caricatura Brasileira pois, no seu entender, exposições podem ser lucrativas mas são efêmeras. Como foi o processo de pesquisa, convencimento e captação de recursos?
Magno: Em paralelo as exposições, eu sempre tive a ideia de publicar livros. Mas, de fato, parti para a coleção da História da Caricatura Brasileira, e depois de publicar o primeiro volume da obra, volto a um projeto grande de exposição chamado 1ª Bienal Internacional da Caricatura.
Logicamente, a obra e a pesquisa teve um desenvolvimento, e hoje está formatada em sete volumes. É um tratado que objetiva a realização da maior obra já feita sobre a caricatura no Brasil, ou “a concretização do maior tratado já realizado na caricatura mundial, circunscrito a um único país”.
As dificuldades no processo de pesquisa foram muitas, até porque o período do século XIX é um período difícil de se pesquisar, por ser mais antigo e o material de pesquisa mais raro. Mas as dificuldades foram superadas, como demonstra o lançamento do primeiro volume da obra.
Foi feita uma pesquisa e levantamento de milhares de imagens da caricatura brasileira no século XIX e XX. Creio que pesquisei esse acervo passando à vista, pesquisando e vislumbrando mais de 100 mil caricaturas, das quais foram fotografadas e escaneadas cinco mil imagens, e para esse primeiro volume selecionados cerca de 700 imagens. Os critérios de seleção dessas 700 imagens foi a importância histórica das obras, mas também, em outros casos, a sua beleza estética, a sua graça e ironia, ou seja, seu humor. E também a inteligência da mensagem das obras, sobretudo a importância de seu conteúdo para o seu momento histórico respectivo.
O projeto disputou na Seleção Pública da Petrobras Cultural, concorrendo com quase 4000 projetos, e foi um dos 100 contemplados.
A segunda parte desta entrevista será publicada neste site, em breve.