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Cerimônia terminal

SUJOU!

O cortejo apontou na virada da esquina justamente na hora que o zelador estava fechando o cemitério. O homem de preto que comandava o séquito adiantou-se e veio tentar convencer o funcionário:

– Boa tarde, sou irmão do falecido e peço ao amigo um pouquinho de paciência. Precisamos enterrar o mano ainda hoje… Não tenho culpa porque atrasou tudo lá na igreja. Sabe, foi aquele padre que complicou tudo.

– Boa noite, rebateu o zelador. Sinto muito, seu enterro era para as cinco horas. Você mesmo esta vendo que já escureceu e vai chover… Voltem e velem o defunto por mais uma noite.

– É coisa rápida, só dez minutinhos…

Mas o zelador estava impassível. Então o irmão se valeu do último recurso:

– Claro que vai sobrar uma graninha, disse o mano esfregando dois dedos.

Agora sim, suas palavras soaram mais convincentes. De pronto, o zelador escancarou o portão.

Enquanto o pessoal passava, o funcionário foi correndo avisar o coveiro que estava trocando de roupas.

Postados diante do túmulo, os seguradores de alças tiveram que aguentar o peso até chegar o coveiro. A garoa fina veio, aumentando o mal estar. Quando finalmente o responsável pelos trabalhos chegou, foi rapidamente armando os cavaletes e passando a cordinha em torno do caixão de uma maneira tão frenética que o irmão reclamou:

– Que pressa é essa? Vai tirar seu pai da forca? Antes de tudo você tem que abrir a janelinha para a viúva se despedir!

O coveiro, com toda a má vontade do mundo, foi lá e retirou rapidamente a plaquinha. A viúva chorosa, abraçou o caixão, afagou-o e misturou suas lágrimas com a umidade da chuvinha. Não é que no meio da turba impaciente e encoberta pelo lusco fusco da penumbra, uma vozinha feminina protestou?

– Que teatro! Essa aí está ansiosa é de por a mão no dinheiro do falecido! Megera!

Surpresa, a viúva levantou os olhos e procurou a rival. Não achando deu um ponta pé na canela do cunhado que acusou, dando um gritinho.

Sem outras delongas, o coveiro retomou o ritmo frenético das providências. Sem antes protestar com os dentes cerrados:

– Não ganho hora extra!

Com auxílio dos alceiros, encaminhou o caixão para o buraco aberto no concreto:

– Sujou! Não cabe, o caixão é maior que a cova!

Um mal estar se propagou nos assistentes como fosse o rastilho de pólvora. Sim, por mais que o chuvisco e a escuridão incomodassem, não existe uma regra implícita de que os assistentes não abandonem a cerimônia antes de seu término?

Com a indefinição, começou um clima de revolta. Aos poucos, algumas palavras saíram do meio incógnito da escuridão: ‘logo agora?’; ‘vou me mandar!’; ‘palhaçada!’… Outros davam palpites: ‘Não cabe enviesado?’, ‘temo que serrá!¹’ e o definitivo: ‘chamem a funerária!’

Mas o irmão estava impassível:

– Quero meu irmão nos conformes!

A turma se dividiu por gênero: os homens rodearam o irmão chefe e as mulheres se agruparam solidárias com a viúva. Esse ato repentino expos a figura da inimiga que teve que se refugiar atrás de um túmulo. Dalí bradou seu último protesto:

– Bem feito!

Como o impasse não progredia, o primeiro corajoso despediu-se:

– Vou me mandar que amanhã pego às sete!

Era o coveiro.

– E o corpo? Indagou o irmão chefe.

– Deixe aí que amanhã eu quebro essa! Respondeu o coveiro de longe.

Disfarçadamente começou a dispersão geral.

Lá, na saída do grande portão, o chateado zelador ficou abismado quando viu aquela turba de gente saindo numa correria adoidada. Espavorido gritou, pediu explicações, mas qual, ninguém se arriscava a parar. Até conseguir fisgar um deles pelo braço:

– O que está havendo?

Ofegante o homem parou, mas sempre olhando assustado para trás. E explicou:

– Já tínhamos saído do lugar do enterro quando ouvimos o baque do caixão no chão e alguém gritando: ‘- Incompetentes, deixe que eu vou sozinho!’ Até pode ter sido um engraçadinho que se aproveitou da ocasião, mas a viúva que corria ao meu lado jurou que a voz era do falecido!

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