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Carta do Eno

Eno Theodoro Wanke (1929- 2001) era engenheiro da Petrobrás, mas nasceu para escrever.

Luiz Ernesto Wanke (1933-2019) escreve sobre o irmão: Do meu mano, Eno Theodoro Wanke, lembro-me mais da nossa convivência na sua juventude, mas não de uma maneira linear porque na minha infância ele teve longos períodos de ausência, primeiro, quando foi internado num colégio em Castro e, depois, quando foi morar em Curitiba na casa da tia Olga para fazer o curso de engenharia.

Começou sua jornada literária na segunda infância quando se interessou por Flash Gordon que viu no cinema e fascinado pelo personagem futurista, procurava criar histórias desenhando uma revista em quadrinhos artesanal. Naqueles tempos – década de trinta – por falta de um grampeador, costurava suas folhas com barbante. Depois fazia cadernos e cadernos com sua produção intelectual até que conseguiu publicar por conta de papai seu primeiro livro de poesia, ‘Nas Minhas Horas’.

Durante sua vida produtiva publicou mais de dois mil títulos!

Era um apaixonado por livros. Por osmose também fiquei gostando de ler porque sempre que lhe sobrava alguma grana, ele aumentava sua biblioteca que eu ia bisbilhotar. Portanto, vivi minha primeira infância imersa numa montanha de livros.

Por tudo isto, vibrei muito quando meu filho mais velho, Marcos Luiz, me trouxe uma carta resgatada do passado, dos ‘tempos do nunca mais’ como o Eno dizia e que ele, Marcos, zelosamente guardara. Era uma resposta a um cartão postal que eu mandara naquele Natal de 1998 e que trazia o cenário de sua infância, a casa da esquina desta fotografia, junto com o barracão da Serraria Olinda, na Ermelino de Leão, em Ponta Grossa.

Eno faleceu em 2001.

A carta:

Rio, 22 de dezembro de 1998

Oi Luiz Ernesto, oi Marcos Luiz:

Que lindo cartão! Foi o mais bonito e comovente cartão de Natal que já recebi em toda a minha vida, sinceramente!

Quanta recordação!

É que em 1923 até a década de 30 não houve nenhuma modificação no conjunto de edifícios casa-de-meus-pais e serraria e esta é a que melhor mostra o cenário de minha infância. Beleza!

Examino-a com carinho.

Sim o horizonte é o da Vila Velha…

(Eu tinha dito no cartão que se o destinatário espremesse os olhos, poderia ver no fundo o cenário da Vila Velha).

… Mas o conjunto fica bem mais à direita da foto e, portanto, não foi alcançado.

Já tinha eletricidade. A primeira usina de Ponta Grossa era termoelétrica e foi inaugurada em 1906 na Rua Ermelino de Leão mesmo junto à estação, no mesmo local onde hoje é o depósito da Antártica. Era tocada à lenha, que vinha pela Estrada de Ferro.

Vocês podem observar na foto dois postes em frente ao barracão. Os fios de energia são visíveis contrastando sobre as tábuas escuras do barracão de madeira. Em 1923, então, a rua ainda não tinha iluminação elétrica à noite, pois os postes estão nus. Depois, na minha infância, foram colocadas lâmpadas nos dois postes, lembra-se?

(Sim, me lembro. Os refletores eram feitos de ferro esmaltados e simples, verdes por fora e brancos por dentro).

Comparar com a foto da página 26 do ‘Menino da Serraria’, volume 2 das memórias.

Em 1923, nosso avô, Theodoro já havia falecido havia dez  anos, e Adeleidh era a dona e presidenta da firma Viúva Kluppel & Cia. Em 1929 faleceu ela e a firma se transformou em Nicolau Kluppel & Cia.

(Descobri que a figura de pé nas toras é o próprio avô que o Eno se refere. Por isto, dato a foto mais ou menos para 1910).

Rodolf Metzenthin (para quem a avó tinha endereçado o cartão/foto) era casado Hedwig (Tante Hedwig), irmã de Adelaide e morava em Curitiba. Esse cartão era de aniversário ou algo assim. Nos últimos anos de sua vida. Não sabia que em 1923 morava em Ponta Grossa! Sensacional!

Com o abraço e os votos de um feliz futuro para todos do

Eno

PS – o barracão, ou melhor, a serraria foi fundada em 1906. Os vagões estão carregados de torras  – para desdobrar em madeira na serraria – e de lenha – para a máquina a vapor que movimentava todas as máquinas da serraria e é de onde sai aquela chaminé altíssima que vimos ser desmontada, lembra-se?

(Lembro-me da chaminé, mas não desmontada. Aconteceu quando a locomóvel se tornou dispensável pela chegada da eletricidade industrial. Este locomóvel foi deslocado para uma serraria no Moquem, a Santa Adelaide, perto de Imbituva)

Lembro-me que de tempos em tempos era pintada (a chaminé) para a manutenção e nosso pai subia lá em cima para isso, junto com os operários. Mamãe ficava olhando (da casa ao lado) com muito medo, nessas ocasiões.

                Saudade!           

Eno Theodoro Wanke criou o que chamava de clecs, porém um grande trovista. Alguns clecs tinham quase sempre com muito humor e até picantes. 

“No princípio era o verbo. Depois, veio o sujeito e os outros predicados — os objetos, os adjuntos, os complementos, os agentes, essas coisas. E Deus ficou contente. Era a primeira oração”.

“Um tolo inteligente não fala, que é para não revelar sua função”.

Este final foi atualizado em 14 de junho de 2021. Ambos os irmãos escritores são falecidos. 

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