Por Lucia Helena Fernandes Stall – Esta foi a terceira Bienal de Veneza que visito nos últimos seis anos. Fiz muitas Bienais brasileiras, em São Paulo, ao longo da minha vida. Sempre movida pela curiosidade de saber através dos artistas plásticos um pouco do que nos reserva o futuro do mundo, qual a linguagem a ser decifrada no amanhã da vida. Isto porque, para mim, o artista é um mago, um verdadeiro profeta, com visões mágicas e ao mesmo tempo reais do tempo que nos espera.
Mas, acima de tudo, o que me instiga é o impulso para desvendar a alma humana. Como Édipo, decifrando a Esfinge, parto para as obras de artistas de todos os países e continentes, curiosa em decifrá-los.
Porém nas últimas Bienais, percebo uma ânsia artística por uma linguagem diferente, original e criativa. A necessidade de esquecer o antigo para encontrar o revolucionário, sem muito êxito em sua maioria. Ocorrência natural no mundo contemporâneo, a fuga da estética tradicional, na busca de uma estética nova.
Mas, pronta para ser surpreendida, começo meu percurso.
O caos predomina quando inicio a caminhada entre obras de arte de cada Pavilhão. O antigo tentando encontrar a linguagem mais contemporânea, dando espaço a coerência, tarefa difícil para o artista que vive num mundo dominado pelo caos. Ao espectador fica a busca pelo estético conceitual. Nada é fácil neste aglomerado de obras artísticas.
Observo, que em alguns, a estética é deixada de lado, com o predomínio do conceitual, esforço que muitas vezes não é alcançado.
Na Bienal de Veneza 2013, a tentativa foi a busca de uma reflexão humana, a religação com o divino, tendo Jung, dando o “start” com seu livro “O Segredo da Flor de Ouro”, refletido em muitas obras como o vídeo brasileiro sobre uma sessão espírita, o Vaticano com o encontro de almas, em sessão de cinema onde as imagens de pessoas se encontravam com os visitantes tocando-se as mãos. Além de outras obras instigantes, como um curta metragem sobre o tempo, provocando uma reflexão da plateia sobre o uso do tempo na vida cotidiana.
Já na exposição de 2015, na parte do Giardino, onde se localizam os pavilhões dos países (entenda-se, obras selecionadas pelas instituições culturais dos governos) o “start” foi o livro “O Capital” de Marx e sua dialética. O que para mim, não causou o impacto esperado, no entando, as obras seguintes conseguiram traduzir o apelo de um mundo perverso, miserável, caótico em busca da paz. Paz traduzida nas obras artísticas, com uma linguagem também caótica. Isto porque repetiam técnicas antigas de colagem, xilogravura, textos, etc., sem êxito da inovação, nem do belo que extasia.
O Japão conseguiu aliar o belo e a mensagem, apresentando uma instalação com um barco, simulando uma rede imensa em tons maravilhosamente vermelhos, como uma árvore imensa, de onde caiam chaves como frutos. Ali consegui ver o belo em total harmonia com a mensagem. As chaves da comunicação global, aquelas que abrem a linguagem universal através das redes, aquela que permite pessoas dos rincões mais longínquos do planeta trocarem impressões e afetos. Original e simples, como deve ser uma bela obra de arte. Diante dela as pessoas se extasiavam com uma sensação de paz inigualável, atingindo subrepticiamente um dos temas da Bienal 2015.
Já no Arsenal (outra parte da Bienal, onde existe uma curadoria para selecionar os expositores), as obras surgem um pouco mais maduras e com uma linguagem mais definida, mas ainda repetitivas, sem grandes novidades ou impacto. Houve muito uso da fotografia e da palavra em colagens sobrepostas, assim como de instalações que abarcavam grandes espaços.
Uma ou outra obra desperta maior atenção, mas nada impactante.
Impactante foi a obra exposta na Igreja de San Giorgio Maggiore, como evento paralelo da Bienal, do espanhol Plensa. Magnífica e realmente criativa, com aquela estética conceitual que leva o espectador à reflexão. Uma cabeça gigantesca de tela cromada, sutilmente com os contornos da face humana, como um enigma na nave principal da igreja, ao lado, suspensa no teto, uma mão também gigantesca, metal quase dourado, com muitas letras penduradas, sugerindo o diálogo entre o cérebro e as mãos humanas. Diálogo que fazemos durante toda a nossa vida. O poder da razão sobre o movimento que nos impulsiona.
Afora a obra de Plensa, na verdade, ainda não encontrei a nova estética, ou a revolução da arte contemporânea, tudo muito fugaz e descartável, nada do novo anunciado, onde se perceba a eternidade do belo, da crônica de uma época atravessando os tempos. Todas as obras expostas entrarão em entropia, enquanto os renascentistas permanecem intactos em sua beleza, na Galeria Uffizi, em Florença, contando com muita beleza para todos nós, seus usos, costumes, religião, política, diferenças de classe em que viviam, verdadeiros cronistas de sua época, sem o desgaste das obras.
As afirmações acima não invalidam o fato de amar a arte contemporânea, inclusive o “grafiti”, como Bansky e outros. Mas dentro de suas peculiaridades, acredito, existem verdadeiros artistas que deixarão obras que persistirão no tempo , como os “antigos” ( da estética tradicional)deixaram.
As colocações desta digressão se referem especificamente à Bienal de Veneza, onde se aglomeram a arte do planeta, o que se está fazendo hoje, qual as profecias anunciadas, qual a linguagem revolucionária de real transformação que irá prevalecer no nosso mundo em decadência.