Por Luiz Ernesto Wanke – Todos nós guardamos fotografias antigas de pessoas queridas, de lugares e, principalmente, de nossos antepassados, tudo por motivos sentimentais. Olhar uma imagem procurando referências pessoais não é tão difícil, mas será possível achar emoções latentes em velhos documentos escritos? Certamente, embora estejamos acostumados a encarar a escrita documental como um meio frio para buscar informações, poderemos também espremer mais um pouco seu conteúdo e até achar gotas de sentimentos puros.
No documento abaixo, um raro bilhete do poeta Cassemiro de Abreu para Machado de Assis, existe embutido uma forte um forte tom de dramaticidade e sofrimento pela morte de um amigo, Macedo Junior, de 18 anos, que faleceu dia 22 de fevereiro de 1860. Foi uma época terrível para o poeta, um ano depois do lançamento de seu livro ‘Primaveras’, em 1859. Neste ano Cassemiro perdeu outro companheiro, Afonso Messeder, mais um primo, morto afogado e ainda, posteriormente, seu próprio pai, José Joaquim Marques de Abreu.
O bilhete:
“Machado
Eu te peço uma lágrima para Macedinho. A pobre criança morreu hoje, vítima de febre amarela. Se não for possível vir no enterro, hoje as 4 horas, haverá no Livramento n.8, hei de ir ao menos à missa que eu mandarei dizer. Pede ao Maggio uma bondade nas notícias diárias, escreva tu mesmo, ele amava a vós. Vemos ser cortada assim aquela vida em flor.
Abraços, teu
Cassemiro.
A imagem que se forma na nossa mente é a de um jovem e humilde poeta – Cassemiro de Abreu – pedindo um favor a um grande e consagrado escritor – Machado de Assis. Mas o que a pesquisa revela é justamente o contrário.
Naquele tempo ambos escreviam. Cassemiro teve a sorte de nascer numa família abastada, teve uma boa educação escolar e foi enviado por seu pai para complementar seus estudos em 1852. Lá conviveu com a elite intelectual portuguesa e quando voltou estava cheio de sonhos e novidades literárias. Nesse espírito cultural trabalhou no seu livro ‘Primaveras’, poesias de saudades, que o lançou definitivamente. Mas mesmo assim morreria jovem sem uma grande consagração.
Já Machado era autodidata, de pouco estudo formal. Órfão cedo teve que trabalhar duro, inclusive sofrendo preconceito de cor, numa época em plena escravidão. Muito jovem fora aprendiz de tipógrafo na Imprensa Oficial. Em 1860 fazia dupla jornada: de dia trabalhava como caixeiro na livraria de seu protetor, Paula Brito e de noite era revisor do jornal Correio Mercantil. Na livraria, tinha contato com a elite intelectual, o que facilitou sua entrada no mundo literário. No jornal fazia de tudo, redigia notícias, crônicas notas e propagandas. Nada de notável considerando a grandeza do que hoje reconhecemos na sua obra.
Enquanto Cassemiro já caminhava para a notoriedade, Machado ainda engatinhava como um projeto. Sua obra só eclodiu em 1880 com seus romances que o elevaram ao patamar de ‘maior escritor brasileiro de todos os tempos’. Cogita-se que esta transformação deu-se por causa de seu casamento em 1869, com Carolina Xavier de Novais. Alguns estudiosos de sua vida chegam a atribuir a Carolina alguns contos do escritor.
(Particularmente o autor reconhece este papel de cumplicidade entre casais, tanto que no seu último livro, O Gênio que Escrevia com Números, incluiu a esposa como coautora, dada a qualidade dos – digamos – palpites valiosos e de fundo lúdicos. Isto vale também para a parceria Jorge Amado-Zélia Gatai, porque era ela quem preparava o texto final do escritor. Depois que passou a escrever os próprios livros, Jorge Amado nunca foi o mesmo).
Afirmei que 1860 foi um ano terrível para Cassemiro de Abreu. Corrijo: foi trágico porque sete meses depois deste bilhete, em 18 de outubro de 1860, ele próprio faleceu vitimado pela tuberculose.
(Acervo de Marcos Luiz Wanke)
Parabens meus queridos..,,